terça-feira, 29 de setembro de 2009

Oscar Niemeyer escreve sobre a Praça dos Três Poderes

O arquiteto Oscar Niemeyer segue internado no Hospital Samaritano, em Botafogo, no Rio. Sábado, 26, ele deixou o CTI e foi levado para uma unidade intermediária.

De acordo com o hospital, o estado de saúde do arquiteto é estável e ele respira sem o auxílio de aparelhos. Niemeyer foi internado na noite de quarta-feira, 23, para realização de exames de rotina e passou por uma cirurgia para retirada de um cálculo diagnosticado nos exames.

Em junho deste ano, ele já havia sido internado para exames depois de sentir dores lombares. Niemeyer completa 102 anos em dezembro e prepara uma edição especial de sua revista, Nosso Caminho, em comemoração aos 50 anos de Brasília, em 2010.

A seguir, leia transcrição de artigo escrito por Niemeyer na década de 80- o manuscrito original não estava datado, onde ele fala sobre o conceito da Praça dos Três Poderes e reclama de seu abandono. Os espaços pontilhados correspondem a rasuras que não conseguimos decifrar.

A Praça dos Três Poderes

Oscar Niemeyer

A praça representa os poderes que comandam a política nacional. No Palácio do Planalto, o Executivo, no Supremo Tribunal Federal, o Judiciário, e no Congresso Nacional, o Legislativo. Deles depende a vida brasileira e as nossas próprias vidas.

Daí sua importância, que sua arquitetura procura concretizar, com os palácios contidos em suas formas regulares, enriquecidos por uma preocupação plástica diferente, mais livre e, sem dúvida, mais brasileira.

Não se trata, é claro, de copiar a arquitetura nacionalista na melancólica interpretação, nem transcrever a velha arquitetura colonial, mas fazê-la com a mesma liberdade plástica, com o mesmo amor pela curva, que esta última nos ensina, e que suas construções barrocas exercem.

E tudo nos explica a praça despida da vegetação que uma praça provinciana exigiria e as esculturas que também a completam. Esculturas que, de certo modo, contrastam, uma lacuna que cabe reparar ou, pelo menos, não esquecer. Uma, da Justiça, a nos lembrar como ela foi humilhada nestes últimos tempos, a outra, dos candangos, como foram nossos irmãos ......... eles que acorreram como se fosse a terra da promissão os........e anônimos a construíram com entusiasmo da esperança e do patriotismo.

Durante muitos anos protestamos contra o descaso com que a Praça dos 3 Poderes era tratada. O museu da cidade inacabado, a casa de chá .............., os carros que nela circulam livremente como se fossem pedestres.........

Agora, com Sarney na Presidência e Aparecido no governo de Brasília, pensamos reabilitá-la. Concluir o museu............. Dar à praça um ar mais festivo........

segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Coronel Affonso IV: Toniquinho JK

Em 1952, tanto Juscelino Kubitschek como Israel Pinheiro, deputados federais, já defendiam a interiorização da capital do Brasil. Seria em Minas Gerais. JK defendia que o local fosse no Triângulo Mineiro, Israel preferia mais a Oeste. A ideia não era simpática aos cariocas, que perderiam o status de Distrito Federal.

Foi no interior de Goiás, no dia quatro de abril de 1955, durante a campanha para presidente da República, que a proposta de construir a capital no Planalto Central ganhou força. Em Jataí, coube a um jovem, Toniquinho (Antônio Soares Neto), fazer a pergunta sobre a construção da nova capital.

Pergunta feita, JK respondeu que sim: cumpriria a Constituição Federal, que determinava a interiorização da capital do Brasil. Tudo isto é relembrado pelo coronel Affonfo Heliodoro dos Santos, 94 anos, em conversa com o blog. Junto com a pergunta, alguém lembrou que o sonho de Dom Bosco também poderia ser traduzido como a construção de uma nova cidade no coração do Brasil. Foi a união do fato popular com a mística religiosa.

O plano de governo de JK durante o ano de 1955 tinha 30 metas e um desafio: a construção de Brasília. Eleito pelo PSD, assumiu em 1956 e deu início às obras.

De Toniquinho, poucos sabem o destino. Ele é um próspero advogado de 75 anos com escritório em Goiânia e em Jataí. Seu cartão de visitas tem um selo com a imagem do presidente Bossa Nova e ele passou a assinar Toninquinho JK.

sábado, 26 de setembro de 2009

Maura II: A resistência no Núcleo Bandeirante

A pedagoga Maria Maura Figueiredo é a guardiã da memória do padre Roque. Sabe tudo sobre a vida do padre e mais ainda sobre o Núcleo Bandeirante, onde vive desde 1960. Entre fotos e anotações, Maura mostra a pequena publicação com informações sobre o padre.

Ordenado sacerdote em 1947, foi indicado para uma paróquia em Bagé (RS), depois foi para Araxá (MG), seguiu para Vitória (ES) e, em 1956, quando JK iniciou a construção de Brasília, foi para Goiânia e de lá para o Núcleo Bandeirante, indicado pelo padre Virgínio Fistarol, que era o inspetor na época. Os salesinaos foram a primeira ordem religiosa a desembarcar em Brasília.

No começo, o padre morou no hotel Dom Bosco. Maura conta que o padre as vezes comentava como tinha sido a vida no hotel: um caos.

“O quarto era coletivo, não havia privacidade, era um entra e sai”. O empresário Ildeu Oliveira, da construtora ENAU, ficou amigo do padre, e o levou para morar em um dos quartos do alojamento da empresa, perto do aeroporto e perto do Núcleo Bandeirante.

Na primeira igreja do Núcleo, de madeira, o padre dava aulas para as crianças. Não havia colégio nem professores. Ele foi o primeiro professor.

Maura recorda também que o padre era muito amigo de Garcia Neto, jornalista, fundador do jornal Núcleo Bandeirante, em 1961. Ao lado de outros pioneiros e junto com o padre Roque, Garcia Neto defendia a fixação do Núcleo Bandeirante contra a vontade do governo federal, na época o presidente era Jânio Quadros.

“De vez em quando algumas casas eram queimadas para assustar os moradores e fazer com que desistissem de ficar no Núcleo. As pessoas diziam que era coisa do governo”, comenta Maura e acrescenta: “vi muito corre-corre por aqui”.

Amanhã, domingo, Maura vai avisar na missa das 10 horas que estamos buscando mais depoimentos, mais cartas, mais memórias. Quem tiver histórias para contar pode entrar em contato conosco ou navegar no blog e deixar um comentário sobre o início de Brasília. Estamos aguardando!

Maura I: A vida no Núcleo Bandeirante

Maria Maura Figueiredo chegou em Brasília aos 10 anos de idade. Era o dia 16 de outubro de 1960. Vinha do interior de Minas Gerais: Divinolândia, que virou município em 1962, banhada pelo rio Tocantins e de vocação rural, com cerca de sete mil habitantes. Desembarcou com os pais, lavradores esperançosos e cinco irmãos. Foram para o Núcleo Bandeirante. O pai conseguiu emprego na chácara de uma família japonesa. 

“Trabalhou a vida toda, nunca teve carteira do trabalho assinada. Morreu sem aposentadoria”, recorda Maura, hoje pedagoga aposentada.

Família religiosa, se aproximou da Paróquia São João Bosco, do padre Roque Valiati Baptista, um pioneiro em Brasília. Chegou no dia 18 de abril de 1956, no meio da poeira da seca que iniciava, e foi direto para o Núcleo Bandeirante, onde havia 50 casas de madeira e o prédio da Novacap.

O padre Roque foi quem acolheu a família de Maura. Ele, menina, foi trabalhar na igreja, de onde nunca se afastou.

“Ele ajudava, mas não dava nada de graça. Não deixou que ficássemos dependentes dele”. O padre ensinou a pescar.

Maura mostra uma foto do presidente Juscelino Kubistchek ao lado do padre e a dedicatória de JK:

“Ao prezado amigo Padre Roque com um abraço do Juscelino”. Era o dia dez de junho de 1962. 


sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Coronel Affonso III: Zé Aparecido teve visão

Sobre os governadores que passaram por Brasília o coronel Affonso Heliodoro dos Santos prefere não fazer comentários. Mas faz uma ressalva: “o Zé Aparecido teve visão, conseguiu o tombamento de Brasília como Patrimônio Cultural da Humanidade e com isso preservou a cidade”.

Também elogia Elmo Serejo, que foi prefeito de Brasília. “Ele fez uma grande obra, que é o Parque da Cidade”. E adverte: “Brasília está sendo ameaçada pela expansão imobiliária”.

Aos 94 anos de idade, o coronel dá expediente diário no Instituto Histórico e Geográfico de Brasília, que preside. Antes, coordenou o Memorial JK por 16 anos.

Coronel Affonso II: o projeto da W3 era outro

O coronel Affonso Heliodoro dos Santos era um verdadeiro coringa no governo de Juscelino Kubitschek. Ele acumulava os cargos de subchefe do Gabinete Civil da Presidência da República, chefe do Serviço das Metas Econômicas do Governo e chefe do Serviço de Interesses Estaduais.

Quando JK foi para o exílio em Paris, em 1964, o coronel permaneceu no Rio de Janeiro, ia visitá-lo eventualmente. Mas quando dona Sarah voltou para o Brasil para ficar ao lado da filha, Márcia, que estava doente, o coronel ficou dois meses com JK para não deixá-lo sozinho.

“Sinto muitas saudades daquele tempo, era uma época, mais romântica, mais saudável”, revela o coronel, que hoje preside o Instituto Histórico e Geográfico de Brasília.

Ele está casado há 53 anos com Conceição, a quem chama de Sãozita, tem três filhos, 11 netos e seis bisnetos. Completou com 94 anos em abril, cumpre expediente diário no Instituto e tem uma agenda cheia de compromissos. Esperamos uma semana para entrevistá-lo.

Cercado por livros, fotos, cartas e documentos sobre Brasília, o coronel Affonso recorda que a avenida W3 não era para ser assim, como a conhecemos. “A frente deveria ser na W2, o comércio deveria estar voltado para lá. A W3 seria os fundos, por onde circulariam os carros. Mas o Israel Pinheiro abriu um escritório lá, o acesso pela W2 ainda não estava pronto, ele abriu uma porta para a W3 e a partir daí o projeto foi alterado”, revela a testemunha da história de Brasília. Isto foi na altura da quadra 508 Sul.

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Coronel Affonso I: o telegrama de JK



Um dia depois de deixar o Brasil, com seus direitos políticos cassados, o presidente Juscelino Kubitschek desembarcou em Madrid para fazer uma conexão para Paris. Da Espanha enviou o seguinte telegrama para o coronel Affonso Heliodoro dos Santos:

“Affonso, Deus te pague.” Madrid, nove de junho de 1964.

Em econômicas palavras, disse tudo.

Um mês depois, já em Paris, JK enviou uma afetuosa carta ao coronel, onde revelava que sentia saudades da rotina do trabalho. O coronel era o primeiro a despachar com o presidente, antes das seis horas, e o último a se despedir, sempre depois da meia noite.

“Juscelino dormia pouco, cinco horas no máximo. E eu menos ainda”, relembra o coronel para logo acrescentar: “Tinha que ser assim, se não Brasília não ficaria pronta em cinco anos”.

Uma revelação escapa enquanto relembra o convívio com o presidente JK: “sonho com ele todas as noites”.

O coronel Affonso Heliodoro dos Santos, 94 anos, nasceu em 16 de abril em Diamantina- um Domingo de Ramos, e ficou órfão de pai aos sete, justamente no dia de seu aniversário. Na data em que o pai partiu para sempre o menino Affonso começou a trabalhar por total necessidade. Eram sete crianças que a viúva precisava criar.

O coronel nos recebeu hoje no Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal, que preside e dá expediente diário, sempre à tarde. Nesta quinta-feira o coronel nos reservou 30 minutos, porque tinha uma reunião logo após, mas acabou nos brindando com uma hora de agradável conversa.

Muitas são as recordações históricas do coronel. O blog vai publicar o resultado desse emocionante encontro ao longo dos próximos dias.

Centro Cultural Internacional Oscar Niemeyer na Espanha

O arquiteto Oscar Niemeyer está hospitalizado no Rio de Janeiro para a realização de vários exames. Aos 101 anos, Niemeyer prepara uma edição especial de sua revista “Nosso Caminho” para os 50 anos de Brasília, em 2010. No mesmo dia de sua internação, o Centro Cultural Internacional Oscar Niemeyer, na Espanha, é destaque no noticiário ao receber a visita do ator Brad Pitt. O blog faz o registro: conheça o centro e saiba o que Pitt foi fazer lá.

Centro Cultural

O Centro Internacional Cultural Oscar Niemeyer é um grande espaço arquitetônico em construção em construção em Avilés, nas Astúrias, Espanha. Esse é o primeiro trabalho do Oscar Niemeyer na peníncula ibérica. O centro incluirá um auditório, um prédio para exposições, torre de turismo e edifício de usos múltiplos, bem como um grande espaço ao ar livre, onde as atividades culturais se realizarão regularmente. Grandes espaços livres de intervenções caracterizam muito bem a obra de Niemeyer, como mostra Brasília e o recente Museu da República.

Além da sua dimensão cultural, o Centro Internacional Cultural Oscar Niemeyer de Avilés tem um elemento ambiental muito importante, a parte central de um longo processo de regeneração urbana que modificará o aspecto da cidade. O projeto ajudará a limpar o rio Avilés e eliminará o trânsito pesado da área do porto, convertendo os espaços em áreas esportivas e lúdicas. A área é chamada agora de “isla de la innovación” (a ilha da inovação).

Espera-se que o centro seja um gerador de talento, conhecimento e criatividade, bem como faça a promoção de conteúdos locais. Em dezembro de 2007, a Fundação Oscar Niemeyer organizou o Primeiro Fórum Mundial de Centros Culturais Internacionais em Avilés (também conhecido como o G8 da Cultura): Lincoln Center de Nova Iorque, o Centro Barbican de Londres, a Casa de Ópera de Sydney, o Centro Georges Pompidou de Paris, a Biblioteca da Alexandria, o Fórum Internacional de Tóquio, o Centro Cultural de Hong Kong e o Centro Cultural Óscar Niemeyer.

O Centro Niemeyer colaborará também com a Escola de Economia de Londres, e com o Teatro Old Vic de Londres.


Brad Pitt visita o centro Niemeyer

O ator Brad Pitt visitou hoje, 24 de setembro, junto com vários arquitetos, a localidade espanhola de Avilés, no norte da Espanha, para ver as possibilidades de participar do projeto arquitetônico "Ilha da Inovação", do Centro Cultural Internacional Oscar Niemeyer. Pitt também esteve acompanhado pelo diretor da Fundação Oscar Niemeyer, Natalio Grosso, e a conselheira da Cultura, Mercedes Álvarez.

Pitt disse estar "entusiasmado" com este inovador projeto e mostrou um especial interesse por "tudo o que tem a ver com a sustentabilidade". Assim disse a prefeita da cidade, Pilar Varela, após ver com o ator e vários arquitetos de sua equipe nas obras que estão sendo realizadas como parte do projeto "Ilha da Inovação".

"Ele está interessado em apoiar o projeto, tanto na parte cultural quanto na arquitetônica", afirmou a conselheira, e informou que falaram de "possíveis vinculações", mas especificou que estas questões "serão determinadas ao longo do tempo".

Varela explicou que "uma parte fundamental" de um dos projetos que o estúdio arquitetônico do ator tem em Nova Orleans é "a sustentabilidade", e indicou que isso é o que se procura com a "Ilha da Inovação", que estará pronta em julho de 2010.


segunda-feira, 21 de setembro de 2009

O sonho de Dom Bosco


Em 30 de agosto de 2010 o Colégio Dom Bosco fará 50 anos. A mesma idade de Brasília. Dom Bosco foi a primeira escola particular a vir para a nova capital.

Foi antes da inauguração, em 1958. A escola ficava na Candangolândia. Na inauguração, foi oficialmente transferida para o endereço onde está até hoje, na avenida W3 Sul.

O colégio faz parte do imaginário de Brasília, afinal foi Dom Bosco quem sonhou na noite de 30 de agosto de 1883, logo após a chegada dos Salesianos em Niterói (RJ), que o Brasil teria grandes riquezas ocultas e um desenvolvimento futuro na região do Planalto Central. O sonho de Dom Bosco seria concretizado pelas mãos de Juscelino Kubitschek. Dom Bosco faleceu em 1888, com 72 anos, e foi declarado santo na Páscoa de 1934.

A visita

Hoje cedo fomos recebidas na escola pelo secretário Normando, que logo reuniu um grupo entusiasmado por recuperar as cartas enviadas e recebidas na escola. Os padres Schiavo e Jacy, a pedagoga Dircinha e o assistente Rafael auxiliaram no que puderem. Agora sabemos que quase toda a documentação do colégio está em Barbacena (MG), no Centro Salesiano, onde Érica promete localizar material de interesse do blog. O Centro tem como diretor o padre Alfredo de Melo. Alguma coisa, no entanto, ainda está guardada na residência dos padres, em Brasília.

O primeiro “caderno de crônicas”, de 1961, com o registro das visitas feitas pelos inspetores está lá. Tivemos acesso. A primeira crônica, cuja publicação foi autorizada pelo padre Jacy, será postada no blog em breve. Aguardem.

No final de semana, resultado do esforço de Dircinha, vamos conversar com dona Maura, pioneira, que é a memória dos Saleasianos na paróquia do Núcleo Bandeirante.

Inauguração

A inauguração do colégio contou com a presença do presidente JK, do prefeito de Brasília, Israel Pinheiro, do arcebispo Dom José Newton e do quinto sucessor de Dom Bosco, padre Renato Ziggiotti. Ao encerrar a cerimônia, o presidente Juscelino disse:

“Eu quero saudar, nos Salesianos que vêm conosco colaborar nesta hora, os homens que vão compor a moldura do quadro de Brasília, dando-lhe a beleza, a graça e o encanto das cidades que não ficaram apenas nas suas criações materiais, mas que, pela força do espírito, também se impuseram à admiração e ao apreço das gerações. Nós estamos aqui assistindo a uma solenidade tão singela: é o nascimento de algo novo, de uma nova era para o Brasil, é a mocidade de Brasília reunida pelas mãos dos Salesianos para começar esta marcha nova que amanhã vai mostrar ao Brasil quanta coisa se tinha ainda a realizar e fazer neste país”.

domingo, 20 de setembro de 2009

A grande família Silva

Dona Doca, a matriarca, ensina generosidade

Dona Doca e seu marido Ernesto são exemplos de generosidade. Souberam retribuir com acolhimento toda a felicidade que conquistaram com a mudança para Brasília em 1960. Doze filhos, sendo oito biológicos e quatro adotados, Doca, que foi batizada Neli de Castro, casou com Ernesto Silva no Rio de Janeiro e levou no enxoval o menino Pelezinho. A mãe morrera e o pai estava doente. A família de Doca resolveu acolher o menino e a noiva levou o garoto para criar como filho. Assim fizeram com mais três crianças, criadas junto com os oito nascidos durante o feliz casamento do casal que é exemplo de solidariedade e companheirismo.

Por intermédio do senador Leopoldo Tavares da Cunha Melo, natural de Cabo (PE), e eleito pelo estado do Amazonas, a família migrou para a nova capital. Ernesto foi trabalhar na Segurança do Senado, Doca ficou com a missão de educar as crianças. Chegou com oito, logo seriam 12 e houve uma época que havia 19 pessoas para comer e dormir no apartamento da SQS 409.

Pelezinho, o primogênito, mostrava vontade para o trabalho e vocação para o samba. Assim que ganhou tamanho, foi trabalhar como engraxate no Senado, tempos depois seria motorista e hoje é funcionário público aposentado. Bem antes, alegrou o Carnaval de Brasília. No final da década de 60 trouxe para a cidade músicos famosos e as mulatas do Sargenteli. Uma delas, Marli, acabou morando também com a família Silva por quatro meses e de lá só saiu para casar. Hoje vive em Vitória.

Netos são mais de 50, bisnetos oito e a família não pára de crescer. No aniversário de 80 anos de dona Doca, há três anos, só de parentes diretos eram mais de 130 pessoas no salão de festas do Clube da Câmara dos Deputados.

Uma vida longa e feliz que cabe numa lata de biscoito Aymoré. Vânia, a primeira filha a nascer em Brasília, em 1960, abre a lata de lembranças preciosas e vai mostrando cartinhas, cartões postais, muitas fotos, bilhetes, lembranças que estão bem presentes na memória de dona Doca, que nem precisa vasculhar a lata para falar sobre uma vida inteira de generosidade e declarar: “Sou uma mulher feliz!”

A lata de biscoitos Aymoré


A lata de biscoitos Aymoré é uma relíquia da família. Lá de dentro saem cartas, fotos, cartões postais, registro de nascimento, bilhetes... Foi de lá que pegamos cartões postais de Nira, jornalista, escrevendo para a família desde Cusco, Peru, em 1979. Este era um destino clássico para aventureiros nos anos de chumbo que o Brasil experimentava.

Também é de Nira a cartinha escrita no verso de uma cópia do curriculum do marido, correspondente da Associated Press em Denver, Estados Unidos, em 1981. Nira já praticava o reuso de materiais. Na carta ela avisa que não estará em Brasília para o Natal.

sábado, 19 de setembro de 2009

O título eleitoral de Niemeyer é de Brasília


O jornalista Silvestre Gorgulho abriu uma antiga pasta estilo 007 e de dentro dela tirou relíquias em sépia. Cartas manuscritas e outras datilografadas do arquiteto de Brasília, Oscar Niemeyer. Numa delas, que reproduzimos logo abaixo, Niemeyer agradece e rejeita a festa de aniversário que estava sendo preparada para ele pelo amigo José Aparecido, então governador do Distrito Federal. O arquiteto faria 79 anos naquele dezembro de 1987. Estará com 102 no final desse ano de 2009.

Silvestre, mineiro de São Lourenço, atual Secretário de Cultura do governo do Distrito Federal, querido amigo que criou o jornal mensal Folha do Meio Ambiente, tem mais correspondências na sua 007: cartas de Henfil e desenhos do próprio, cartão de Natal de dona Sarah, bilhetes de Niemeyer e um documento confirmando a transferência do título eleitoral de Oscar Niemeyer do Rio de Janeiro para Brasília.

O Serviço Público Eleitoral do Distrito Federal, no protocolo número 4818, informa que o novo título é da Zona 653 e que o domicílio do arquiteto fica na QI 5, conjunto 19, casa 7, no Lago Sul. A casa fica na mesma rua das embaixadas da Argélia e de Camarões. O documento é de 14 de novembro de 1985. A transferência do título de Niemeyer fazia parte da estratégia de lançá-lo candidato a deputado federal ou senador por Brasília. O projeto não foi adiante e Niemeyer nunca buscou o título.

O aniversário que não foi festejado

Rio de Janeiro, 13 de novembro de 1987

Prezado amigo José Aparecido:

Hoje voltei a pensar nas comemorações que você com tanta generosidade vem programando para o meu aniversário e nos amigos que o cercam, colaborando nessa iniciativa.

E resolvi, um pouco tarde infelizmente, tomar uma deliberação e dizer francamente porque delas não vou participar.

Primeiro, é um problema de consciência. Afinal muito brasileiros que por maiores feitos as mereciam, não as receberam. Segundo, em corolário, porque não me sinto com direito para tantas honrarias.

Na verdade, meu amigo, passei pela vida como outro homem qualquer. Nada de excepcional. Os mesmos problemas de trabalho e subsistência, de sonhos, tristezas e fantasias.

Se trabalhei muito foi por ter como ofício um trabalho que me atraiu e apaixonou pela vida afora e se o desempenhei a contento foi porque o destino para isso contribuiu.

Não vejo portanto razão válida para tantas homenagens, que agradeço por sabê-las de pura, invariável e recíproca amizade.

Confesso, caro amigo, que meu desejo é passar meu aniversário em completo anonimato. Data que, a meu ver, não deve entusiasmar ninguém.

Um abraço

Oscar

quinta-feira, 17 de setembro de 2009

Aguardando o coronel Affonso Heliodoro dos Santos

Todos escrevem ao coronel

O coronel Affonso Heliodoro dos Santos conheceu Juscelino Kubitschek ainda menino. Ele foi aluno de dona Júlia, mãe de JK. Na década de 30 começou a trabalhar ao lado daquele que viria a ser o presidente Bossa Nova. Naquele tempo, Affonso servia no Hospital do Exército, onde JK era médico. A partir de então formaram uma parceria que se estendeu até a trágica morte do presidente em 1976. Coube ao coronel a iniciativa de zelar pelo Memorial Juscelino Kubitschek, erguido em 1983, o que fez até 1996. Agora, preside o Instituto Histórico e Geográfico do Distrito Federal. Aos 93 anos de idade, dá expediente no local todas as tardes.

Cabe a sua secretária, Agnês, a tarefa de ler os e-mails que são enviados ao coronel e selecionar os compromissos que considera mais importantes. É por esse critério que estamos aguardando uma conversa com o coronel para o dia 24 de setembro, quinta-feira, às 16 horas. Nosso objetivo é ter acesso às inúmeras cartas trocadas entre o coronel e JK- e também com dona Sarah, que conferem humanidade à história de Brasília. Adoentado, explica Agnês, o coronel não pode ter uma agenda pesada, os compromissos devem ser distribuídos ao longo dos dias para não cansá-lo.

O coronel é um autêntico pioneiro. Participou com JK de todas as etapas da construção de Brasília. Nascido em Diamantina, em 1916, o coronel perdeu cedo o pai, morto em uma diligência em Salinas, onde era delegado, e como JK, foi criado pela mãe.

Entrou para a Polícia Militar de Minas Gerais e, ainda aspirante, encontrava com Juscelino, já prefeito de BH, na casa de dona Júlia. Logo depois de Juscelino assumir o governo de Minas, no início da década de 50, foi chefe do Gabinete Militar e nunca mais se separou de JK.

Acompanhou com Jucelino, ainda governador, a construção do Palácio das Mangabeiras. Na passagem do governo para Bias Fortes, quando JK foi eleito presidente, ficou, a pedido dele, no governo de Minas para conduzir a cerimônia de transferência simbólica da capital para Ouro Preto em 21 abril, numa homenagem a Tiradentes. O evento virou tradição.

Terminada a cerimônia, foi para o Rio de Janeiro, onde assumiu a Terceira Subchefia do Gabinete Civil da Presidência da República, órgão de importância estratégica para JK, ao qual se vinculavam os ministérios da Agricultura, do Trabalho e o Dasp.

Escritor, o coronel tem sete obras publicadas: “De Bolívar a Kubitschek - O despertar da América Latina”, de 2003, “Rua da Glória - História de um menino”, em duas edições de 1994 e 2002, “O Memorial JK - Um monumento e centro de cultura”, de 1996, “Luas de minha caminhada”, de 2001, “JK, exemplo e desafio”, de 2005, também em duas edições, e “O dragão da lua e a ninfa Sirinx”, de 2008. E tem pronta e não publicada a obra “Histórias de JK - Um bate-papo de Diamantina ao Memorial”.

domingo, 13 de setembro de 2009

Conversando com o empresário Ildeu de Oliveira

O dono das cartas

O ano era o de 1957. Ildeu procurou o dr. Israel Pinheiro na sede da Novacap, no Rio de Janeiro, e perguntou se ainda havia obras para construir em Brasília, e ele imediatamente respondeu que sim e escreveu uma carta endereçada ao dr. Vasco, que também era da Novacap e já estava em Brasília. As cartas foram juntando as pessoas e ajudando a construir a cidade e a história.

Com dois sócios, Ildeu fretou um avião monomotor. Em pleno vôo, o comandante consultou colegas sobre a localização de Brasília e foi informado que ficava entre Planaltina e Formosa. Depois de voarem por duas horas, aproximadamente, o comandante disse que só estava vendo o Cerrado!

Então, resolveu descer em Formosa e lá foi informado por um sargento da Aeronáutica que Brasília ficava entre Planaltina e Luziânia. Também disse que havia um barracão grande, com telhado de alumínio. Sendo assim, aterrissaram no local onde hoje é o atual aeroporto- a pista ainda estava sendo asfaltada. Porém, um militar não autorizou que o avião ficasse ali e foi feito novo vôo. O avião subiu para descer em uma pista de terra próxima ao Catetinho.

Ao aterrissaram no local indicado o grupo encontrou o dr. Vasco e entregou a carta de Israel Pinheiro, que disse estar tudo certo. Eles poderaim vir para Brasília trazendo máquinas de marcenaria porque no momento as obras só eram de madeira.

Em outubro, Ildeu entregou as cinco primeiras casas de madeira construídas, onde era a sede da Novacap e hoje é a Candangolândia. Uma delas foi a residência de Bernardo Sayão. Depois, Ildeu construiu a primeira escola de Brasília, Júlia Kubitsckek, também na Candangolândia, e as cinco primeiras casas do Lago Sul, ondo morou Israel Pinheiro, e ainda o Colégio Elefante Branco.

“-Todo mundo chegava com muita esperança, animado, porque havia trabalho. Trabalhávamos 24 horas, à noite um gerador iluminava as ferramentas e ninguém parava”, recorda Ildeu visivelmente saudoso na tarde do último dia 11, com o Sol a castigar o Cerrado e anunciando a primavera. A cadela da raça Golden Retriever, dengosa, deitada no chão da varanda da ampla casa no Parque Way, também acompanhava a narrativa do dono.

Além de muitas lembranças na memória, Ildeu tem uma pastinha com fotos, recortes de jornais e várias cartas manuscritas e datilografadas. A maioria traz a assinatura do presidente Juscelino Kubitschek e de dona Sarah. Uma relíquia. Era o tempo em que as pessoas escreviam longas correspondências, uma linguagem delicada e, ao mesmo tempo, rebuscada, gramática impecável. Papel de seda, envelope com as cores da bandeira e selo dos Correios. Dá saudades.

Cartas em seda

Uma carta de JK recorda o avô de Ildeu, quem ajudou financeiramente o então estudante de Medicina para que pudesse parar de trabalhar nos Telégrafos, à noite, e tratar da tuberculose que se instalava em seu pulmão. Durante seis meses o avô de Ildeu depositou alguns mil réis no banco da Província, na mineira Araguari. Outra carta cumprimenta Ildeu por seu aniversário. Pisciano típico das águas de março- um verdadeiro sonhador.

Em 1976, logo após a morte trágica de JK, chega uma cartinha de dona Sarah informando que estava distribuindo aos amigos do presidente algumas pequenas lembranças, que sabia serem muito importantes naquele círculo de amizades que se fechava.

Conversando com a engenheira Veridiana Bragança da Silva

A primeira professora

Veridiana nasceu na Fazenda Soihem de Baixo, perto da atual Reserva Biológica de Águas Emendadas, em 1937. A família mudaria anos depois para Planaltina, um vilarejo com três ruas. O pai abriu um pequeno comércio de secos e molhados. Eram cinco filhos educados pela “mulher mais sábia do mundo”, como definiu Maria, enfermeira, irmã de Veridiana.

Conversamos com as irmãs no feriado de 7 de setembro, no apartamento onde vivem na 203 Sul.

Duas mulheres pioneiras e à frente de seu tempo. Veridiana cursou Magistério na escola das freiras francesas em Formosa. Recebeu o diploma em 1956.

“-Cartas? Não tenho nenhuma. A gente não escrevia, não tinha como enviar a correspondência naquela época. Mas eu tenho a primeira carteira de trabalho de professora da época da inauguração de Brasília”. Conta orgulhosa. Carteira assinada no dia 23 de abril de 1960, dois dias após a inauguração da nova capital por Juscelino Kubitschek. Em 1968, Veridiana inovaria mais uma vez ao ingressar no curso de Engenharia Civil da UnB, já casada e grávida de mais uma filha.

A identidade

Ela também é portadora de uma cédula de identidade inusitada. Apesar de ter nascido em 1937, 23 anos antes de Brasília, sua identidade diz que é natural da cidade. Uma informação que sempre provoca incredulidade.

A irmã Maria também deixou Planaltina na mesma época que Veridiana, enquanto Brasília era construída, e conseguiu emprego como enfermeira do hospital do Núcleo Bandeirante, a Cidade Livre.

Veridiana morava com outras professoras em uma casa da avenida W3 Sul e lecionava na primeira escola de Brasília, Júlia Kubitschek, construída em poucos meses na atual Candangolândia. Tinha até piscina.

O pioneirismo está no sangue da família. O avô, Viriato de Castro, foi mateiro da Expedição Cruls- que demarcou o quadrilátero no século 19. Menor de idade, seu nome não entrou na lista oficial daqueles que ajudaram a desbravar o Cerrado.

Enquanto Brasília era construída e JK residia no Catetinho, Veridiana lotava um ônibus com alunos de Planaltina e vinha mostrar a futura capital aos estudantes. Descansavam as margens do córrego Vicente Pires, bem perto do Catetinho, e voltavam no final do dia pela estrada de terra. Tempos que ficaram na memória dos pioneiros.

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Última carta de Vera Brant para JK


"Juscelino, meu amigo querido:

Você nem me deu tempo de responder à sua carta. Na quinta-feira tive um trabalho enorme de rever e corrigir meus contos, para remetê-los a você. Quando telefonei para a Déa, você já havia seguido para São Paulo, no avião das nove horas.

Do domingo, à noite, o Carlos Murilo ligou-me, aflito, para dizer que estava correndo o boato, outra vez, de sua morte. Fiquei irritadíssima com a falta de imaginação dos boateiros. Mas resolvi ir para a casa dele, com uma aflição menor do que da vez anterior.

Os telefonemas foram-nos assustando. Ficava a lembrar-me da sua expressão naquela noite de sábado, na fazenda, e do que você havia dito. E pensava: vai ser tudo igualzinho. Eu vou contar-lhe as aflições da Sarah, das filhas, dos amigos, e ele vai sorrir meio triste, com pena de ter causado tanto dano às criaturas que ama. Sem nenhuma culpa. Você não se habituara a causar danos sem culpa. Sempre as pessoas que o amam sofreram sem que você tivesse, realmente, a intenção de feri-las. Sofreram as injustiças que lhe fizeram, a sua ausência durante longos anos no exílio, as injúrias, as ingratidões todas.

Você já nos devia saber acostumados a esse tipo de mágoa. Mas sofria assim mesmo, mais com pena da gente do que de você.

Mas... não é que desta vez foi verdade? Não é que, ainda sem culpa, você nos deixou, a todos, arrasados de sofrimento?

Não que o pretendêssemos eterno. Morrer, todo mundo morre, mas debaixo de uma carreta?

Não dava para você morrer de avião, com as milhares de horas de vôo que você acumulava?

Daria para tirar o brevet, só pelo tempo passado no ar. Não podia, pelo menos, morrer de enfarte? Tinha que ser nessa violência? Tudo seu foi assim tão violento, com tanta força, com tanto entusiasmo! Não dava para diminuir a barra um pouquinho neste final?

Olhe, você não imagina, depois, o que aconteceu. Um terremoto não teria feito tanto estrago. O seu Brasil ficou estarrecido. A tristeza já não era privilégio de seus amigos. Era geral. A alegria saiu do rosto das pessoas. Os suspiros e as lágrimas passaram a ser a mensagem de um desespero. Ninguém se falava, só abraços e soluços, e mágoas muitas.

No dia seguinte, o seu corpo chegou à sua Brasília, todo coberto com a bandeira do Brasil. O aeroporto estava lotado. Os táxis carregavam as pessoas de graça, todos com um pano preto, significando luto. Os motoristas sabiam que, no final da tarde, teriam de prestar contas aos seus patrões dos quilômetros percorridos. Mas ninguém estava pensando nos momentos seguintes.

Os momentos seguintes sempre existiram. Um líder enrolado numa bandeira é que é raro.

Os cordões de isolamento eram enormes. Uma senhora gorda, simpática, disse para um soldado: “Os senhores estão isolando o quê? Tem alguma coisa aqui para ser isolada? Nós vimos buscar o nosso Presidente, no maior respeito que ele nos merece, ele nos pertence e queremos prestar-lhe a última homenagem. Já não chega o isolamento de todos esses anos que nos impuseram? Vamos, tirem esta corda”. E o soldado tirou.

Rapazes de quinze a vinte anos que, ou não eram nascidos, ou eram crianças bem pequeninas quando você foi presidente, vinham de motocicleta, com camisas escuras e uma faixa com os dizeres: “Ao nosso querido Juscelino, a nossa gratidão”.

Como é que pode? Nessa idade em que eles não estão dando bola para nada, em que morrer e nascer para eles não faz diferença, como é que tiveram a sensibilidade e a grandeza de perceber o momento histórico que estavam vivendo? Como foi que entenderam que esta terra que pisam, este imenso gramado, este excesso de luz e de espaço, estes palácios, estas praças, as avenidas de imensa beleza, eles os deviam a você?

A ida até a catedral foi fantástica. Os carros andavam em três filas, a vinte quilômetros, entre outros carros e outras gentes que aguardavam a sua passagem: você foi num carro preto, nada bonito. Mas ninguém se importou muito com essas coisas. Você nunca ligou mesmo para as aparências.

A Catedral de Brasília era só flor e candango. Nunca vi uma combinação mais perfeita: a singeleza da flor misturada à pureza dessa gente pobre e simples.

Bateram palmas quando você chegou. Não entendi bem na hora, mas, passada a minha burrice, percebi que estavam felizes de ter você com eles. Você vivo, não deixariam. Você morto, deixaram.

Um homem escuro queria saber se você seria enterrado no cemitério comum. Eu respondi que sim. Ele sorriu e respondeu: “Que bom, agora a gente vai até querer morrer para ficar perto dele”.

Ah, ia-me esquecendo de contar: tinha índio também, uma porção de índios. Na realidade, tinha de tudo. Mas, o forte mesmo, a massa humana, era de gente simples, aquele tipo de gente que você sempre amou, gente que sempre sofreu calada, que suportou tudo, que engoliu tudo, humildemente.

Grande parte daquela gente não pôde entrar na catedral. Mas deu um jeitinho de vê-lo através dos vidros. Até lavaram os vidros com aquela piscina circular que o Oscar chamou de espelho d’água. Alguns não resistiram, entraram pelo tal espelho e surgiram do lado de dentro, ensopados.

As coroas eram muitas, centenas. Estavam até bonitas no começo. Mas, depois, os pobres que não tiveram dinheiro para comprar coroas, resolveram homenagear você com as coroas alheias. Foram tirando as flores e jogando sobre você, jogando, na maior felicidade. Parecia uma chuva de flores.

A missa, propriamente, não houve. Foi uma grande confusão de flores, de palmas, de hinos, de choros.

A Sarah teve de se dirigir à multidão pedindo calma. Quando prometeu você a eles, foi uma tranqüilidade. Voltou a paz na catedral.

Mas foi paz por muito pouco tempo. Porque, quando você chegou lá fora, para ser colocado noutro carro (acho que esse não era preto, e sim vermelho, parecia carro de corpo de bombeiro), tomaram-no nos braços, como num forte abraço de amigos que não se encontram há anos, e levaram-no, cantando, pelas avenidas da sua Brasília.

Eram seis horas da tarde, a sua hora, a hora do pôr do sol que você tanto adorava. Choravam e cantavam. A voz saía meio desentoada, mas era o tal nó na garganta que dá na gente quando a emoção é muita.

Sarah, entre amargurada e feliz, seguiu com as filhas a procissão. Sim, procissão. Era o que parecia. Era o que era.

Elas estavam muito tristes, mas muito altivas. Pareciam carregadas de orgulho.

O caminho era longo, vários quilômetros. Mas ninguém estava preocupado com isso. Ninguém estava pensando em metros. Todos já haviam caminhado tanto por este mundo. Tanto. Daqui para ali, dali para aqui, sem destino nenhum.

Agora, neste exato momento, tinham um destino: colocar em repouso um homem exausto de tanto sonho e de tantas desesperanças. Deitá-lo para dormir em paz, ao som do hino de sua pátria e da canção de ninar que sua mãe costumava cantar, ao adormecê-lo. Fazê-lo descansar das canseiras do mundo, dos sonhos sonhados alto demais, das esperanças esperadas demais.

Adormecê-lo assim, como se adormece uma criança exausta de esbarrar na mesa, nas cadeiras, na vida.

Deixá-lo quietinho, sem o perigo de acordar e ter que dessonhar tudo de novo, desapontando-se.
Dar-lhe a paz que sempre desejou, mas que nunca pôde ter, pelo seu temperamento ruidoso e pela mania de ter aspirações grandiosas.

Deixá-lo ali, sozinho e tranqüilo, sabendo que ninguém mais, ninguém mesmo, poderá ferí-lo.
Receba o meu último, e o mais emocionado de todos os beijos.

Vera"


Carta de JK para Vera Brant

Juscelino foi eleito para a Academia Mineira de Letras e ficou feliz da vida. Fui à sua posse em Belo Horizonte e ele estava no maior contentamento. A mineirada toda lá, abraçando-o. Dias depois, 15 de maio de 1976, me mandou o convite da festa com esta dedicatória:

“Minha querida Vera,

Não poderia estar ausente às emoções felizes que experimentei no dia da minha posse na Academia Mineira quem conheceu, como você, os infortúnios que assaltaram tantos brasileiros.

Por um milagre só possível nas criaturas de caráter firme e de coração generoso, você acompanhou a via crucis de inúmeras personalidades, alentado-as e ajudando a suportar o espinho dos caminhos.

Agradeço a sua presença que, no tumulto da grande noite, foi, para mim, uma das mais gratificantes notas de alegria e conforto.

Sinceramente, Juscelino”

sábado, 5 de setembro de 2009

Uma história de amor por Brasília




Esse espaço é para mostrar aqueles que ajudaram a construir Brasília. Pessoas conhecidas, famosas, desconhecidas, autoridades...pessoas que vieram para o Planalto Central para escrever a história da cidade. Aqui elas enviaram cartas saudosas para esposas, maridos, pais, filhos, amigos. Vamos mostrar essa história e reconstruir a linha do tempo.