quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Zenaide chega de Jeep na nova casa




Ela era auxiliar de enfermagem do Serviço Especial de Saúde Pública em Parintins (AM) quando conheceu o futuro marido, o engenheiro sanitarista Cornélio Pimenta Rocha. Nessa época Zenaide estava com 23 anos. Natural de Santarém (PA), a jovem enfermeira casou e foi morar em Belo Horizonte (MG), de onde saiu para seguir o marido na epopéia da construção de Brasília. Era o ano de 1957 e ela já estava com cinco filhos. O marido foi buscá-la no aeroporto em um Jeep Willys, único veículo que resistia aos obstáculos da nova capital.

No dia em que chegou, sua casa na Vila Metropolitana ainda estava em obras. Faltava o piso e os móveis estavam sendo colocados. A casa era de madeira. O terceiro filho, Marcos, na época com quatro anos, foi logo dizendo: “eu não quero morar nessa casa de pau”. Não teve opção, morou, mas foi por pouco tempo. Logo a família mudou para uma casa no Plano Piloto, na 706 Sul, onde vive até hoje. A casa não lembra a original, já passou por três reformas.

A família foi vizinha do arquiteto Oscar Niemeyer, que morava na quadra 707 Sul, bloco M, casa 15. “Meus filhos brincavam com os netos dele”, recorda Zenaide.

Ela também lembra do dia do sepultamento do presidente Juscelino Kubitschek no Cemitério Campo da Esperança, em 1976. “Fui com meu marido e a Cacilda (enfermeira, madrinha de Moema, filha mais nova de Zenaide), era um mar de gente, todo mundo com um ramo de flores nas mãos”. Ela lembra ainda das serenatas feitas pelos engenheiros e as esposas, em noite de lua cheia, para JK, no Catetinho. “Ele aparecia na janela, as vezes de pijama, e depois descia para conversar”.

Solidariedade ao sanitarista Cornélio Pimenta Rocha

O engenheiro Cornélio, falecido em 1991, foi o protagonista de um movimento de solidariedade popular. Em uma palestra ele falou sobre a falta de saneamento básico na Asa Norte, ainda em construção, e dos riscos para a saúde da população. Ele era diretor do Departamento de Água e Esgoto. Insatisfeito com a declaração do sanitarista, o então prefeito de Brasília, Ivo Magalhães, o demitiu.

Colegas e amigos protestaram e paralisaram o serviço público exigindo sua recondução ao cargo. O jornal Correio Braziliense, em várias edições do mês de junho de 1963, relata o fato em reportagens. A crise só foi encerrada quando o presidente João Goulart, que estava na China, exigiu que Cornélio voltasse ao cargo.

domingo, 25 de outubro de 2009

Seu Waldyr é o “cara da draga”

O contador Waldyr Barreto, 86 anos, é conhecido entre os pioneiros como “o homem da draga”. Nascido em São José do Barreira (SP) e criado em Juiz de Fora (MG), ele chegou na futura capital do Brasil em 1957. Estava casado com Paulina, a Paula, e tinha dois filhos: Carlos Alberto (casado com Glicínia, genro de D. Celita) e Maria Lúcia, depois vieram Maria Thereza, Maria Beatriz e Flávia Maria.

Maria Thereza nasceu no mesmo dia em que a família recebeu a notícia da morte de seu Waldyr. Era um engano, é claro. Ele escapou de um acidente com o Jeep Willys em que viajava com um colega. O utilitário bateu em um caminhão- que não parou para ajudar, e eles foram jogados para fora da estrada. O colega morreu. “Eu pedi a Deus e sobrevivi”, recorda Waldyr, que esperou por socorro por mais de 10 horas.

A draga puxava areia do leito do rio Corumbá, no caminho que vai para Unaí (MG). “Me disseram que o melhor negócio do mundo era vender areia para a construção de Brasília, então eu instalei a draga”, conta Waldyr, que não ficou rico com o negócio. Aposentado como autônomo, mora com duas filhas em uma casa da 709 Sul desde 1974.

Naquele tempo, o trajeto do rio Corumbá até a proximidade do Catetinho, onde o motorista do caminhão recebia instrução de onde deveria descarregar a areia, levava cinco horas. “Toda a barragem do Paranoá foi feito com areia, cascalho do campo e cascalho rolado que eu trouxe do rio Corumbá”, avisa o pioneiro.

Recordações da filha Maria Lúcia



Metodista tal como a enfermeira Cacilda e a alfabetizadora Celita, Waldyr ajudou a construir a igreja da 406 Norte. Cacilda e Paulina- falecida em 1997, eram muito amigas. Maria Lúcia mostra uma xícara de cafezinho do enxoval de sua mãe, Paulina, guardada na cristaleira, com uma pequena observação colada no fundo: “Para minha amiga Cacilda como recordação, 1980”. Com a morte da amiga, Cacilda devolveu a xícara e explicou: “quando eu morrer os meus filhos não vão entender o valor desse presente, prefiro que volte para a família”.

Dona Paulina escreveu um caderno de recordação para cada um dos filhos. Maria Lúcia mostra o seu. Toda a rotina do bebê foi anotada, o dia em que falou pela primeira vez, as primeiras papinhas, os presentes recebidos de aniversário, o nome das amiguinhas, fotos, bilhetes, desenhos escolares. Tudo registrado com o carinho de mãe dedicada.

Maria Lúcia exibe também a cartinha enviada de Minas pela madrinha Naná, que começa com uma citação do Cenáculo: “Hoje, eu colocarei as minhas mãos nas mãos de Deus a fim de que eu não caia”.

sábado, 24 de outubro de 2009

Brasília em construção



Obra provocou grande desmatamento

Participe do 3º Dia de Ação Global da campanha TicTacTicTac!

O blog participa desta ação. Dia 24 de outubro é o Dia Nacional de Adesão ao abaixo assinado para um clima saudável e seguro! Escolha eventos artísticos, esportivos, religiosos e culturais que ocorrerão hoje. Aproveite o espaço e o público para passar a mensagem da TicTacTicTac. O mundo precisa de soluções climáticas e o tempo está passando.

Em 15 de outubro o Cartas de Brasília também participou do dia internacional do Blog Action Day,  uma mobilização social que, sempre no dia 15 de outubro, propõe um tema para ser debatido na blogosfera. Pautado por um assunto de importância global, a iniciativa possui vários atributos positivos, entre eles conseguir atingir milhões de pessoas por intermédio de blogs e sites, ampliando a rede de relacionamentos sociais e despertando interesses. Começou em 2007, quando a ação teve “Meio Ambiente” como foco. Em 2008, se falou sobre “Pobreza”, este ano o assunto é “Mudanças Climáticas”.

Confira aqui como era o clima no Planalto Central no século 19 e perceba como as alterações climáticas mudaram o cenário de Brasília.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Dr. Nardelli contabiliza 17 mil partos realizados

“Até hoje eu sonho com partos complicados”, revela o ginecologista e obstetra Ítalo Nardelli, 92 anos completados no dia 15 de outubro. Pioneiro em Brasília, Nardelli chegou na nova capital em 1960 para trabalhar no Hospital Distrital, hoje Hospital de Base de Brasília. Formado em Medicina em 1942, contabiliza 17 mil partos realizados. Em Brasília, foi colega das pioneiras Cacilda Rosa Bertoni, enfermeira, e de Versoni- a Soni Gonçalves Homar, médica. Entre os famosos que trouxe ao mundo consta a atriz Irene Ravache.

Dr. Nardelli estava com 42 anos, tinha seis filhos e morava no Rio de Janeiro, quando disse para a esposa Elza que desejava trabalhar em Brasília. “Ela não queria de jeito nenhum, mas eu insisti e viemos”. A família foi morar no apartamento de uma das irmãs de Nardelli, casada com o deputado federal por Minas Gerais Abel Rafael, na 107 Sul. A irmã tinha 13 filhos, com os seis do médico havia 19 crianças no apartamento. O filho caçula, Ítalo, nasceu em Brasília e recebeu o apelido de Dango, derivado de “candango”.

Quando se aposentou, Nardelli trabalhou como voluntário na Igreja São Geraldo, na Vila Paranoá. “Eu atendia as gestantes num consultório improvisado na sombra de uma mangueira, ao ar livre, depois consegui um espaço na sacristia”, recorda o médico. Sua esposa Elza é voluntária na igreja até hoje. Organiza festas e bazares para conseguir recursos para a comunidade da vila. Também é do movimento das Bandeirantes do Brasil.

Em várias caixas estão guardadas recordações de toda uma vida. Elza mostra telegramas de congratulações pela formatura do marido em 1942, telegramas desejando felicidades pelo casamento do casal em 1945 e cartas dos filhos em férias no Rio de Janeiro, endereçadas ao pai, ao longo da década de 1960. Em uma delas, o filho Eduardo conta que se considera “uma gaivota procurando peixe”. Em outra cartinha a filha Beth pergunta se a empregada “está preparando ovos nevados e banana frita”, e em outra comemora que tirou primeiro lugar em um concurso de leitura.

Dr. Nardelli recebeu várias homenagens por sua dedicação à Medicina, entre elas comendas do Governo do Distrito Federal, do Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal e do Congresso Brasileiro de Cirurgiões do Rio de Janeiro.

Nardelli recorda os anos de chumbo: da embaixada para os Titãs

O ginecologista e obstetra Ítalo Nardelli realizou o parto do filho caçula de Lígia de Britto Álvares Afonso, esposa do deputado federal Almino Afonso (AM), ex-ministro do Trabalho e Previdência Social do governo de João Goulart. Quando Fábio nasceu o deputado estava asilado na Embaixada da Iugoslávia, em Brasília, cassado em abril de 1964 pelo Ato Institucional Número 1, junto com ele o deputado Rubens Paiva.

Nardelli não teve dúvidas nem receio, pegou o bebê de dois dias no colo e o levou na embaixada para o pai conhecer. “Falei com os guardas que cercavam a embaixada, quase todos me conheciam, expliquei a situação, disse que ficaria só cinco minutos, e eles me deixaram entrar. O deputado ficou muito emocionado quando viu o menino”, recorda o médico.

Lígia e Almino tiveram quatro filhos, um deles, que assina Sérgio Brito, toca na banda Titãs. Da embaixada, a família seguiu para Áustria e depois Chile. As crianças foram alfabetizadas em espanhol. Somente em 1976 o deputado retornou ao Brasil com a família.

A esposa de Nardelli, Elza, lembra da correria estudantil pelas ruas de Brasília durante os anos de chumbo. “Era um horror, todo o dia alguém ia preso, a UnB vivia cercada”.  O filho caçula, Ítalo- o Dango, nascido em Brasília em 62, tinha muito medo da polícia. Um dia, abrigado na Igreja Santo Antônio com a mãe, enquanto ocorria uma manifestação estudantil na área externa e a polícia fazia o cerco, o menino declarou: “quando eu crescer não quero ser estudante”.

Porque Eu Sei Que É Amor

Composição de Sérgio Britto e Paulo Miklos (Titãs)

Eu não peço nada em troca
Porque eu sei que é amor
Eu não peço nenhuma prova

Mesmo que você não esteja aqui
O amor está aqui
Agora
Mesmo que você tenha que partir
O amor não há de ir
Embora

Eu sei que é pra sempre
Enquanto durar
E eu peço somente
O que eu puder dar

Porque eu sei que é amor
Sei que cada palavra importa
Porque eu sei que é amor
Sei que só há uma resposta

Mesmo sem porquê eu te trago aqui
O amor está aqui
Comigo
Mesmo sem porquê eu te levo assim
O amor está em mim
Mais vivo

Eu sei que é pra sempre
Enquanto durar
E eu peço somente
O que eu puder dar

Porque eu sei que é amor
Porque eu sei é amor

sábado, 17 de outubro de 2009

A professora de alfabetização Celita

Celita empresta seu nome para um restaurante na turística cidade de Pirenópolis (GO), além de sua imagem. Na parede do estabelecimento está o seu retrato: jovem morena de paletó, linda e com um sorriso de Monalisa. A dona do nome que batiza o restaurante é a professora de alfabetização Celita de Souza Lôbo Mendes, 77 anos, que chegou em Brasília em 1958, junto com o marido, pastor da Igreja Metodista, Antônio Margarido Mendes.

Instalaram-se na Terceira Avenida do Núcleo Bandeirante com os filhos Humberto, com pouco mais de dois anos, e Glicínia, com um aninho. A casa era de madeira pintada de verde e com as janelas brancas. Depois nasceram Heverton- sócio do restaurante em Pirenópolis, Gláucia, Gilka, Holney e Gislene.

A enfermeira Cacilda Rosa Bertoni, também metodista, ficou alguns meses na casa de Celita até construir a sua, na Segunda Avenida, 1.105, também no Núcleo. Foi ela quem socorreu Humberto quando ele caiu em um poço e levou mais de 20 pontos na cabeça. O menino foi atendido no Hospital de Base de Brasília, que ainda não havia sido inaugurado.

Celita lembra dos primeiros dias no Núcleo: “ não tinha água encanada nem luz elétrica. Buscávamos a água em latas, num córrego”. Logo o marido mandaria furar um poço. A água veio em abundância e pode abastecer, além da casa da família, a dos vizinhos.

“Ele deu sete passos e disse: pude furar aqui. E a água jorrou”. Recorda Celita e explica que o número sete é bíblico, por isto os sete passos do pastor. E acrescenta: “Eu acompanhava o meu esposo para onde ele fosse, foi assim que aprendi a gostar de futebol”.

Viúva e vítima de um AVC, hoje Celita mora com a filha Glicínia, maestrina, em uma casa à beira do Lago Paranoá.  E é ela quem lembra: “o Natal de 2001 eu e meu esposo viemos de Goiânia para passar com a Glicínia, e ele disse- ‘meu bem, o dia em que eu faltar, quero que você more com a Glicínia”. Logo depois o pastor faleceu e Celita cumpriu com a sua vontade.

Alcina Lôbo escreve para a filha Celita



Dona Alcina Lôbo, mãe de Celita, morava na Fazenda Cibele, além de Luziânia (GO), e enviava cartinhas para a filha indagando sobre a vida da família em Brasília. Algumas cartas foram guardadas, outras perdidas. Uma delas, sem data, transcrevemos para os leitores do blog:

Prezada filha Celita Mendes e netos,

Como vão vocês? Bem, não é.
Celita, desde que fui daqui não recebo carta sua, já estava preocupada com vocês, mas a Elis me escreveu dando notícias suas, disse que vocês estão bem de saúde, graças a Deus.

Rogo a Deus para que ele a abençoe muito, dando saúde e felicidades, bem com aquela confiança inabalável em Jesus.

Celita, se Deus quiser vou logo em sua casa, mas estou constantemente com vocês nas minhas orações, pedindo a Deus que dê saúde e vida para todos vocês.

Diga para Humberto que não escrevi para ele no seu aniversário, mas pedi muito a Deus para que faça dele um bom moço cristão.

Vou terminar com um abraço para cada um dos meus netinhos, para você e Mendes.

Recomendações para todos

De sua mãe que a ama muito

Alcina Lobo

Pede para a Divina juntar uns retalhos para mim. Abraços para ela.  Como não tenho nada para mandar, vão uns doces.

quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Blog Action Day: o clima no DF há 50 anos

Hoje é o dia internacional do Blog Action Day. Trata-se de uma mobilização social que, sempre no dia 15 de outubro, propõe um tema para ser debatido na blogosfera. Pautado por um assunto de importância global, a iniciativa possui vários atributos positivos, entre eles conseguir atingir milhões de pessoas por intermédio de blogs e sites, ampliando a rede de relacionamentos sociais e despertando interesses . Começou em 2007, quando a ação teve “Meio Ambiente” como foco. Em 2008, se falou sobre “Pobreza”, este ano o assunto é “Mudanças Climáticas”.

Saiba como era o clima no Planalto Central no século 20 e perceba como as alterações climáticas mudaram o atual cenário de Brasília.

Relatório Belcher registra o clima no futuro DF

O Relatório Técnico sobre a Nova Capital da República, conhecido como Relatório Belcher, começou a ser preparado em 1954, quando foi contratada a empresa norte-americana Donald J. Belcher Associates, que ficou encarregada dos serviços de engenharia necessários à definição precisa do sítio do Distrito Federal.

Na página 165 do Relatório, o item “Clima”, reporta a seguinte observação:

“O clima afeta os solos de várias maneiras, em geral, como atenuando as influências da rocha matriz e do relevo, mas algumas vezes sendo definitivamente subjugado por esses muitos fatores locais. Climas mornos e úmidos tendem, em geral, a produzir solos de cor avermelhada provenientes de muitas espécies de rochas. Entretanto, devido às influências de outros fatores, em particular associação com o clima produzem-se, muitas vezes, solos castanhos, amarelos ou pretos, às vezes com características diferentes. Uma alta precipitação favorece o desenvolvimento de solos ácidos lixiviados. O clima afeta muito diretamente a espécie de vegetação embora aqui, novamente, se um ou mais dos outros fatores exercerem influência muito forte, a vegetação local refletirá esta influência em detalhe”.

Naquela época, para a região de Formosa, a mais próxima do DF, o Relatório registrou uma precipitação pluviométrica média anual de 192.2 mm. Choveu em todos os meses do ano. Inclusive nos que são considerados atualmente como “secos”: em maio a precipitação foi de 207.5 mm, em junho de 82.5 mm, em julho de 5.0 mm e em agosto de 22.5.

Com a mudança climática, que provoca aumento de temperatura e escassez de chuvas, Brasília passou a ter meses totalmente secos.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Soni: a atriz vira médica cardiologista

Aversoni Gonçalves Homar, a Soni, e João Alcides Homar haviam encerrado os estudos em Goiânia sem concluir o Segundo Grau. Entusiasmados com as novas possibilidades oferecidas na capital, os dois foram estudar no Elefante Branco e logo fizeram vestibular. Soni para Medicina e João para Arquitetura, na UnB, inaugurada no dia 21 de abril de 1962.

Ela tinha experiência como atriz nos palcos de Goiânia e também nos microfones do rádio-teatro da Rádio Clube. Ele era desenhista. Ambos militavam na Ala Moça do PSD.

Nessa época Soni trabalhava como escriturária do Hospital de Base de Brasília. E foi nessa condição que concluiu Medicina e teve mais dois filhos durante a faculdade. “Eu ia cedo para o hospital, de lá pegava um ônibus para a faculdade e, mais tarde, voltava ao hospital”, recorda a médica. Nesse tempo, Soni foi colega da enfermeira Cacilda Rosa Bertoni.

No época de estudante, o casal morava na W3 Sul, quadra 713, onde ficou até 1978, quando mudou para uma ampla casa na Vila Planalto. O primeiro telefone que tiveram era número 234, via telefonista.

Ney Matogrosso e o falso médico

Dos tempos do hospital, Soni lembra muito bem de Ney Matogrosso, que no final dos anos 60 era escriturário como ela. Na sala de sua casa há um desenho azul feito pelo cantor. Recorda também de um dos clínicos do hospital, Alfredo Ribeiro. Muitos anos depois, se descobriu que ele não era médico, era representante de laboratório farmacêutico. “Fazia diagnósticos ótimos”, lembra Soni, “ficamos surpresos com a revelação” e acrescenta: “com ele aprendi a dar o dinheiro da passagem de ônibus para o paciente retornar ao consultório”.

Da época do rádio-teatro em Goiânia, guarda a cartinha enviada pela emissora:

A direção artística da Rádio Clube de Goiânia vem convidar a V. S. a comparecer aos stúdios da referida Emissora, dia 04-09-1952, afim de submeter-se a um test para teatro.

De escriturária, Soni passou a Diretora Técnica do Hospital de Base, chefe de Medicina Interna, chefe do Ambulatório e chefe da Cardiologia. Trabalhou 37 anos no hospital, onde se aposentou. Hoje é uma das sócias do Instituto de Doenças Cardiovasculares, na Asa Sul, onde atende todos os dias.

A carta de Soni a JK e o telegrama do Presidente


Aversoni Gonçalves Homar, conhecida como Doutora Soni, chegou no que viria a ser Brasília no dia 15 de março de 1958, com quatro filhos. O marido, João Alcides Homar, arquiteto, veio um pouco antes, em dezembro de 1957, ficou hospedado no Hotel Souza, no Núcleo Bandeirante. Tinha um bilhete do governador de Goiás, Juca Ludovico que o recomendava a Bernardo Sayão.

Naquele tempo, João era desenhista. Soni era atriz de palcos e de rádio-teatro, além de diretora da Ala Moça do PSD, em Goiânia (GO), onde moravam na rua Jaraguá, 656, bairro Campinas, depois deixarem Minas Gerais. Ambos tinham pouco mais de 20 anos. Hoje ela está com 75 e ele 76.

Um pouco antes de João desembarcar no Planalto Central com seu bilhete, Soni escreveu em segredo uma carta para o presidente Juscelino Kubitschek pedindo emprego para o marido nas obras de construção de Brasília. Dentro do envelope colocou uma cartinha do deputado Arlindo Porto, seu padrinho de casamento, para mostrar que era ligada ao PSD e, portanto, gente de confiança. No final da correspondência a JK, Soni pedia a devolução da carta do deputado.

O encontro com Sayão, que o empregou na equipe de Lúcio Costa, sob as ordens do arquiteto Adeildo Viegas de Lima, aconteceu antes da carta de Soni ser lida por JK.

Mas assim que recebeu a correspondência, no Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, JK mandou que seu sub-chefe da Casa Civil, Célio Tácito, enviasse o seguinte telegrama para Soni:

2150 P XV Rio DF 7444 43 30 17


Aversoni Gonçalves Homar Rua Jaraguá NR 656 Campinas GO


SR. PTE Republica incumbiu me comunicar assunto sua correspondência foi encaminhada CIA Urbanizadora Nova Capital em 29 1 58 a fim de ser devidamente apreciado PT PR 4147/58 SDS Célio Tácito Sub Chefe da PTE Republica.

João conseguiu também esse emprego, mas não assumiu. O outro, com Lúcio Costa, tinha salário melhor.

sábado, 10 de outubro de 2009

Com a enfermeira Cacilda, a história da saúde pública na inauguração de Brasília


Faltando poucos meses para a capital do Brasil completar 50 anos, o blog Cartas de Brasília se antecipa ao aniversário do dia 21 de abril para homenagear os pioneiros ao contar a saga da enfermeira Cacilda Rosa Bertoni. Ela teve atitude para atender a população da cidade que aumentava da noite para o dia e equipar o Hospital Distrital, hoje Hospital de Base, para a inauguração em 1960 (na foto acima, o início de Brasília com a Cidade Livre, Acervo Público do DF).

O repentino urbanismo erguido em pleno Cerrado pelo presidente da República Juscelino Kubitschek, o JK, exigia respostas para todos os setores. E a Saúde era um deles. A data da inauguração de Brasília se aproximava, mas os equipamentos para instalar o Hospital Distrital ainda estavam dentro das caixas, no almoxarifado, em março. Depois de cinco anos de intenso trabalho para construir a nova capital do Brasil, o atendimento à saúde em um hospital moderno e central exigia respostas.

Até então, os pioneiros da nova capital resolviam seu problemas de saúde em hospitais de campanha erguidos nos acampamentos operários ou contavam com a ajuda de parteiras e enfermeiras. Cacilda Rosa Bertoni, enfermeira e administradora hospitalar, hoje com 90 anos, era uma dessas pessoas dispostas a ajudar (ao lado, a primeira ambulância, Acervo Público do DF).

Esforço de guerra

Ela chegou ao Distrito Federal em 1958, durante as obras de construção de Brasília, e foi morar na Cidade Livre, área que abrigava a maior parte dos pioneiros, hoje Núcleo Bandeirante. Cacilda tinha a experiência do “esforço de guerra”, adquirido na década de 1940, e rapidamente organizou uma força tarefa formada por uma costureira e sua filha, pegou uma máquina de costura, comprou peças de algodão, e começou a organizar os instrumentais, que precisam ser cobertos por tecido. Também conseguiu um jovem baianinho para fazer a limpeza. E ainda colocou para trabalhar na organização do hospital o recém chegado doutor Farani (José Farani, já falecido).

“O Farani só queria operar. Ele desejava inaugurar o hospital com uma cirurgia”, recorda Cacilda. Mas o primeiro paciente grave não foi para a cirurgia. Era um rapaz vítima de atropelamento. Teve fratura exposta. Mas o tratamento foi com uma técnica de imobilização e uso de água oxigenada no ferimento para evitar infecção. “Acabamos com a água oxigenada de Brasília e das redondezas”, recorda a enfermeira. A cirurgia, esperada por Farani, demorou um pouco mas acabou acontecendo. Foi um caso de apendicite. Com o ritmo das obras de Brasília cada vez mais rápido para cumprir o prazo previsto para a inauguração, era cada mais frenético o movimento de veículos nas ruas, principalmente de caminhões e jeeps. Os operários, a maioria vinda de cidades do interior, onde quase não havia veículos, eram surpreendidos pela urbanização, que trazia consigo os riscos da modernidade (acima, à direita, a enfermeira Cacilda em foto do Correio Web).

Algodão e linha

O hospital abriu as portas, improvisado, para atender uma população estimada em 15 mil habitantes. Sala cirúrgica, sala para curativos, sala de espera. Não tinha lavanderia, refeitório, quartos etc. As roupas de cama eram levadas até as freiras de Taguatinga, a 30 quilômetros de Brasília, para serem lavadas. “Como faltava muita coisa naquela época, inclusive tecidos, muitos lençóis sumiam para aparecer na casa de ex-pacientes”, recorda a enfermeira. Quando terminava a linha para os pontos nos pacientes do hospital, Cacilda ia nas lojas de armarinho comprar linha de algodão preta número 40.

Outro médico daquele tempo, e que trabalhou com Cacilda, foi o doutor Aloísio Campos da Paz, da Rede Sarah de Hospitais. “Ele fotografava todos os procedimentos, dava muito trabalho, porque tínhamos de entregar a ele o ‘campo – pano esterilizado, e logo ficávamos sem ‘campos’ para os outros procedimentos”, diz a pioneira.

A enfermeira Cacilda foi quem criou a Secção de Enfermagem do Distrito Federal e foi sua primeira presidente. Era o ano de 1962.



A saga de Cacilda

A enfermeira e administradora hospitalar, Cacilda Rosa Bertoni, 90 anos, chegou em Brasília em 1958. Melhor, chegou na Cidade Livre, Brasília não existia, era apenas um canteiro de obras. Morou até 1960 em uma casa de madeira na Segunda Avenida, número 1.105, onde hoje é o Colégio La Salle. Em sua carteira do trabalho, sob o registro número 078, está o seu contrato como funcionária da Fundação Hospitalar do Distrito Federal, assinada em 16 de maio de 1960 (acima, mais um registro da Cidade Livre, foto do Acervo Público do DF).

A história da enfermeira Cacilda é uma saga. Antes de Brasília, ela percorreu a Amazônia. Era a década de 1940. Órfão, o roteiro de Cacilda inicia em Piracicaba e segue para Ribeirão Preto (SP). De lá ela viaja para o Rio de Janeiro com o objetivo de estudar Enfermagem na Escola Ana Nery e ser missionária. Diplomada em 20 de maio de 1946, embarca para Belém (PA) no dia primeiro de junho, para trabalhar no Hospital de Doenças Tropicais Evandro Chagas.  Ficou dois anos e seguiu para Breves, na ilha de Marajó, onde os doentes precisavam muito mais dela dos que os enfermos da capital do estado. Na ilha permaneceu por mais dois anos no combate à malária e outros agravos à saúde.

“Era a época do esforço de guerra”, recorda Cacilda. Os Estados Unidos precisavam de borracha e para ter a matéria-prima os seringueiros necessitavam de atenção à saúde. E lá estava a enfermeira. De Breves, seguiu para Santarém, também no Pará, para organizar um novo hospital. Feito o serviço, aceitou uma bolsa para estudar Administração Hospitalar em Maryland, Baltimore (EUA).

No retorno ao Brasil casou com um representante da indústria farmacêutica, Afonso Bertoni, tiveram três filhos.  Foi do marido a ideia de mudar para Brasília. Ele veio na frente, no final de 1957.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

O bilhete do empréstimo

O empresário Ildeu Oliveira, pioneiro em Brasília, foi um dos grandes amigos do presidente Juscelino Kubitschek e também eram primos. Ildeu guarda muitas cartas e lembranças de JK. Até mesmo um bilhetinho, do dia oito de agosto de 1976.

E conta a história do bilhete:

“Fazendinha JK, Luziânia (GO), seis horas da manhã, domingo. Juscelino sai cedo da cama e badala o sino da varanda para acordar os amigos César Prates, Déa e Carlos Murilo –e o próprio Ildeu. Expectativa de um dia feliz, alegre. Mas logo depois chega Neusa, esposa de Ildeu, com a notícia da morte do amigo Geraldo Vasconcelos, deputado federal e presidente do Clube Atlético Mineiro. O presidente fica abalado, chora muito. Avisa que vai ao sepultamento. Sem dinheiro em casa para as despesas com transporte aéreo de emergência, pega emprestado Cr$ 5 mil com Ildeu. Insiste em assinar um vale. Ildeu resiste, não quer o vale. Não adianta. Juscelino escreve num pedaço de papel:

Ildeu me forneceu no dia 08.08.1976, 5.000 (cinco mil cruzeiros). Juscelino Kubitschek.”

sábado, 3 de outubro de 2009

A mulher das cartas

Marlene era funcionária dos Correios

As primeiras cartas chegavam no vôo das cinco horas. Às seis, as cartas já estavam na esteira da Agência Central dos Correios, em Brasília. E lá estava Marlene Maria Santos para acompanhar a primeira triagem da correspondência. Foi na esteira que Marlene identificou a letra do namorado sumido, enviando uma carta de Belo Horizonte (MG) para o primo em Sobradinho.

Separadas pela origem e destino, depois as cartas eram enviadas para as agências dos Correios na quadras residenciais. Material suspeito não seguia em frente. Marlene separava o envelope, ou pacote, e mandava para averiguação, onde o Raio-X se encarregava de descobrir o conteúdo.

Marlene faz lembrar o livro Cartas na Rua, de Charles Bukowski, que trabalhou como funcionário dos Correios dos Estados Unidos por muitos anos, até se transformar em um escritor de sucesso e escrever sobre sua experiência com as cartas em um de seus romances.

Foi por trabalhar durante 26 anos nos Correios que Marlene aposentou. A confirmação do emprego, há quase três décadas, chegou num telegrama. A irmã caçula, em uma família de seis irmãos, Marilda, é aposentada do Ministério da Agricultura. Ambas moram em um apartamento da 409 Sul, quadra destinada a funcionários do Senado, no início de Brasília. O pai delas, Olívio, era do Senado, no Rio de Janeiro, veio transferido em 1959. A mãe, Nair, e os filhos, chegaram no dia 11 de junho de 1960. Os pais eram de Alagoas.

Na opinião de Marlene, “os anos 60 foram bons demais!”.

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Juscelino no confessionário e a Copa do Mundo

No dia 28 de junho de 1958, foi realizado o primeiro casamento de Brasília, na Igrejinha, celebrado pelo Cardel Motta. A noiva era uma das filhas do engenheiro Israel Pinheiro. Um pouco antes da cerimônia, o presidente Juscelino pede ao padre Raimundo para ser ouvido em confissão. Em suas anotações o padre faz o seguinte registro sobre esse episódio:

“O Presidente da República me fez sentar em uma cadeira e ali mesmo, de joelhos no chão, fez sua confissão. Disseram então as más línguas, que assim comecei: Quais os pecados que tenho a honra de perdoar de V. Excia? Na ocasião refleti comigo mesmo – Feliz a Nação que vê seu chefe supremo dobrar os joelhos para pedir a Deus perdão.

O padre Raminundo, excelente cronista, também faz o registro da primeira Copa do Mundo de Futebol acompanhada em Brasília. Foi na Suécia, em 1958, e o Brasil sagrou-se campeão pela primeira vez.  O rádio que sintonizou os jogos era de Dom Fernando, que visitava o Colégio Dom Bosco. De acordo com o padre, foi “vibrante a torcida eclesiástica”.

Anotações do padre Raimundo, salesiano


O Colégio Dom Bosco foi a primeira instituição de ensino a se instalar em Brasília. Foi em 1958, no Núcleo Bandeirante. Em 1960, o colégio foi transferido para a área nobre da cidade, a avenida W3 Sul, no Plano Piloto, com inauguração festiva no dia 30 de agosto. O blog fez uma consulta ao Centro Salesiano de Documentação e Pesquisa (CSDP), em Barbacena (MG), sobre a existência de registros sobre os primeiros anos do Colégio Dom Bosco.

Em uma semana recebemos a resposta. Por e-mail chegaram cartas datilografadas, e escaneadas pelo CSDP, com registros feitos pelo padre Raimundo do Nascimento Teixeira, um pioneiro.

Em dezembro de 1957, o padre recebeu a missão de instalar o Colégio Dom Bosco em Brasília, cidade ainda em construção. No dia seis de fevereiro de 1958 ele desembarcou. Chovia muito, como até hoje acontece em todo o mês de fevereiro na capital federal. O colégio era uma pequena sala. Não havia acomodações. O padre dormiu no chão, embrulhado na batina. Suas primeiras compras na nova terra foram uma bicicleta, uma cama e um filtro.

Em março, as aulas iniciaram. A primeira aluna matriculada foi Lucy Natália Kanyó, filha de um engenheiro da construtora Nacional.  Os livros didáticos chegavam pelo Correio, que funcionava no Núcleo Bandeirante. Com a bicicleta, padre Raimundo levava os livros para a escola e também alimentos, cadeiras, mesas...

Cirlene Ramos, a secretária de JK e D. Sarah

“A faxineira foi quem indicou”, revela a diretora do Memorial JK, Cirlene Ramos. Ela era professora de português no Colégio Rivadávia Corrêa, Rio de Janeiro, quando soube pela faxineira da escola, que era irmã da diarista na casa do presidente Juscelino Kubitschek e de dona Sarah, que o casal precisava de uma secretária.

Foi a décima sétima a ser entrevistada. Dora Sarah perguntou como ela soube da vaga. Cirlene respondeu: “pela faxineira”. A segunda pergunta foi de JK, se ela daria conta de atender duas pessoas. Firme respondeu: “Nunca desisti daquilo que não tentei”. Começou no outro dia. Era 1967 e o casal havia voltado do exílio.

Conversamos na quarta-feira com Cirlene, dia 31 de setembro, no Memorial. Marcamos um próximo encontro, quando ela nos repassará cópias de cartas de JK e outras correspondências que guardou por todos esses anos.