domingo, 27 de dezembro de 2009

O mijo da criança


Entre o Natal e o Ano Novo o  mundo entra em um período de recesso, parece que tudo fica mais lento, até para o blog Cartas de Brasília. Mas, para que nossos leitores não percam o hábito de buscar novos “posts” neste endereço, publicamos mais uma crônica do médico Célio Menicucci, um dos pioneiros da cidade.

Nos idos de 1959, fiz um parto no acampamento do antigo IAPB, que se encontrava em construção, na quadra 109, em Brasília.

Fiz um parto não espelha a verdade, pois quando cheguei, a délivrance já havia se concretizado e eu me limitei a amarrar o cordão umbilical.

Pois bem. Dias depois resolvi voltar à casa da jovem mãe para saber se tudo corria bem. Fui muito bem recebido e, para minha satisfação, mãe e filho estavam ótimos.

Apressado, como sempre vivia, ao me despedir, a minha cliente me disse prazerosamente:

- Doutor, agora o senhor vai tomar o mijo da criança.

Ai meu Deus, tomar mijo nunca foi o meu forte e quanto mais naquelas condições precárias de higiene.

Eu recusei com veemência, alegando ter de atender outros pacientes, não tendo tempo a perder.

Me despedi por acenos e, ao passar pela sala, escutei a voz da progenitora daquele rebento mijão que dizia:

- Maria, dê o mijo da criança aí pro doutor.

Maria, nos seus verdejantes 14 anos, interceptou os meus passos e perguntou:

- Doutor, o que o senhor vai querer: temos Martini, Traçado e Rabo de Galo.

Eu, para me manter na linha hipocrática, respondi;

- Minha filha, já expliquei a sua mãe que estou em serviço e não posso beber.

Dica do blog: a expressão “beber o mijo da criança”, na região Nordeste, significa celebrar o nascimento do bebê. E isso é feito com bebida alcoólica.

sábado, 19 de dezembro de 2009

Simon Pitel: o belga que participou da construção de Brasília


A história do belga Simon Pitel em Brasília parece filme de ação, tem até ingredientes de espionagem. Segundo o próprio, o pai o mandou para o desterro no Brasil porque ele estava saindo da linha, era o ano de 1958. Aos 21 anos pegava gosto pelo jogo. O irmão mais velho, Benjamin, já estava em terras tropicais, no Rio de Janeiro, trabalhando com um tio. Família judia, um ajudava o outro e todos atuavam no comércio, vendendo roupas.

No primeiro fim-de-semana de folga com o irmão, Simon saiu para beber Cubas Libres. Descobriu que o salário que recebia do tio por um mês de trabalho equivalia ao consumo de 5 Cubas, ou seja: um mil Cruzeiros.

“Eu não atravessei o oceano para receber um salário de 5 Cubas Libres”, disse a Benjamin e imediatamente decidiu que voltaria para a Bélgica, o pai gostando ou não.

Foi aí que conheceu um romeno que falava francês, vendia de tudo um pouco, e o convenceu a ir para Brasília. Uma cidade desconhecida e em construção. Simon veio de avião e com a ajuda de um professor de línguas do Colégio La Salle conseguiu se fazer entender e ficou hospedado no Hotel D. Pedro II, na então Cidade Livre, hoje Núcleo Bandeirante.

Em duas semanas vendeu tudo o que trouxe, com a ajuda de mímica e etiquetas com preços. Faturou 25 mil Cruzeiros. Voltou ao Rio para buscar mais mercadorias com o romeno. Em pouco tempo teria uma loja no número 945 da Avenida Central do Núcleo Bandeirante. Depois comprou um armazém, inaugurou a Loja Central e mais tarde o Lido Magazine.

A loja vendia a moda de sucesso da época: blusas femininas de banlon, semelhante hoje ao twin-set, saias plissadas e as indefectíveis camisas volta ao mundo- sintéticas.

Após a inauguração de Brasília, Simon inaugurou outra loja de roupas na quadra 510 da W3 Sul. Época em que casou, tem dois filhos e netos. No entanto, logo após o fim do governo de Juscelino Kubitschek, surgiria um período de trevas.

“Jânio Quadros ameaçava levar a capital de volta para o Rio de Janeiro, não investia em nada, não construía nada e os negócios pararam”.

Em pré-falência, Simon colocou a mercadoria dentro do carro e voltou a trabalhar como mascate, até que ganhou algumas concorrências e a vida aos poucos voltou ao normal.

A história do Restaurante Roma na W3 Sul


Foi nesta época, 1964, que apareceu um outro belga, Marcel Erbout, que  convidou Simon Pitel para comprar o restaurante Roma, inaugurado em 15 de abril de 1960, um ícone de Brasília. Era de um italiano. Compraram, mantiveram o nome e o restaurante funciona até hoje no mesmo local da 511 Sul.

A sociedade com o conterrâneo durou até 1967, quando Simon comprou a parte do sócio. Ele soubera um pouco antes que Marcel era um ex-SS (polícia do exército nazista). A informação fora confirmada na Embaixada da Bélgica no Brasil. Apesar do sócio ter cumprido pena na Europa e não dever mais nada à Justiça, Simon não aceitava mais sua parceria.

“Como poderia ser sócio de um nazista se meu pai era um sobrevivente do campo de concentração de Auschwitz?” Questiona Simon Pitel.

O restaurante foi um sucesso retumbante. Fila na porta, senha para buscar pizzas. Eram cerca de 200 pizzas por dia na década de 60. Teve uma vez, na época da ditadura militar, que o restaurante serviu sete ministros de Estado em uma única noite. “Foi uma surpresa. Na calçada ficaram vários seguranças”.

Entre os frequentadores famosos: Fernando Henrique Cardoso, Fernando Collor, Jarbas Passarinho, Tônia Carrero, Cauby Peixoto, Ângela Maria, Moacyr Franco, Jorge Bem Jor e Waldick Soriano.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Dr. Célio Meneccuci: o cronista de Brasília


Antes mesmo do advento da Internet, o médico Célio Menucucci já praticava proezas virtuais: ele foi o primeiro pioneiro de Brasília a casar por procuração em 1959, estava em Londres fazendo um curso de especialização e a noiva o esperava no Planalto Central. Dr. Célio veio da mineira Lavras em setembro de 1958 já comprometido, quando viajou para o exterior a solução encontrada pelos apaixonados foi recorrer a uma carta registrada dos Correios para oficializar o casamento com uma procuração. Casamento desfeito 11 anos depois mas que deixou três filhos e seis netos e uma sólida amizade.

Aos 78 anos o médico reumatologista , fundador do hospital Santa Lúcia, ainda atende de segunda à quinta-feira em seu consultório na Asa Sul. Foi lá que nos recebeu para uma agradável e nostálgica conversa. Dr. Célio conta que chegou em Brasília já contratado para trabalhar no Hospital do IAPI, depois foi para o Hospital Distrital, hoje chamado de Base, onde ficou até 1979, quando foi transferido para o serviço de Biometria da Secretaria de Saúde do GDF, em 1966 também começou a atender no STF e ainda chefiou o Serviço Médico da SEPLAN. Na foto acima, o médico Édson Porto, de jaleco, colega de Célio, e a primeira ambulância do IAPI.

A escolha por Brasília foi uma influência paterna. O pai de Célio era vendedor e viajava muito pela região Centro-Oeste. Como viajante soube da epopéia da construção de Brasília e contava maravilhas para a família sobre o projeto do presidente Juscelino Kubitschek. De médico pioneiro, Célio se transformou em clínico de JK e de toda a sua família.

Da época da construção guarda boas lembranças. “JK era uma pessoa ótima, solidária, a vida naquele tempo era muito boa. Todos eram amigos, do porteiro ao motorista, passando pelos engenheiros, os médicos, os professores...”

Observador atento dos hábitos e costumes daquele tempo, o médico Célio Meneccuci também desenvolveu o talento literário. Escreve crônicas que resgatam a memora da construção de Brasília. Algumas delas vamos publicar aqui no blog.


Crônica do dr. Célio

Véspera de Natal

O SAMDU da Cidade Livre (antigo nome do Núcleo Bandeirante) era estranho. De manhã, de 8 às 11h, ficava apinhado de gente. Realmente, somente uns 20% precisavam e procuravam assistência médica. O resto ia até lá porque era de graça e lá tinha sempre uma comadre para se bater um papo. Às 11h, como por encanto, sumia todo mundo. Era hora das madames prepararem o almoço, hora do marido chegar.

Num desses momentos de pouco movimento, me aparece um consulente (nome feio, credo):

- O Sr. é o dr. SAMDU?
- Sou sim senhor.
- Eu vim me consultar.
- Qual o seu nome?
- João Véspa.
- João Vêspa? Porque não é João Lambreta? Que idéia essa...
- Não é Vêspa não dr, é Véspa.
- Véspa? Piorou...
- É porque nasci na véspa do Natal.