sábado, 3 de abril de 2010

O amor nos tempos da Missão Cruls

Inúmeras cartas de amor foram trocadas entre o engenheiro militar Hastimphilo de Moura, durante a Missão Cruls, com sua esposa Clarinda. Integrante das duas comissões lideradas pelo astrônomo belga Luiz Cruls, a de 1892 e a de 1894, que demarcaram a primeira grande área de onde surgiu o Distrito Federal, Hastimphilo deixou diários de campo. O relato de seu amor e de sua saudade é revelado em seis cadernetas que foram entregues ao Arquivo Público do Distrito Federal pelo filho caçula de Hastimphilo, Adimir de Moura, já falecido.

Essa incrível história de amor foi publicada no dia dois de agosto de 2009 pela jornalista Conceição Freitas no jornal Correio Braziliense. Dois pesquisados de Brasília estão em busca de mais informações para transformar em livro a vida de Hastimplilo e Clarinda. O blog Cartas de Brasília publica hoje um extrato dessa história inspiradora.

A paixão era tão grande, que Clarinda juntou-se à expedição entre 1894 e 1895. Em telegrama ao Centro Acadêmico da Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, onde foi homenageada, a viúva agradece e conta que teve a honra de ser a primeira senhora pisar o solo goiano, permanecendo cerca dois anos na companhia do marido. A homenagem foi feita no fim da década de 1950, em data que se perdeu.

O filho do casal apaixonado contou, em depoimento ao Arquivo Público do Distrito Federal, em 1995, que o pai quis abandonar a Missão Cruls e voltar ao Rio de Janeiro. “Não, eu vou pra aí”, ela decidiu. Clarinda estava com 18 anos e era mãe de uma menina, Altair, nascida quando Hastimphilo estava na missão de 1892.

Clarinda viajou até a Uberaba, Minas Gerais. Hastimphilo esperou pela mulher e pela filha naestação da estrada de ferro Mogiana. De lá, os três seguiram em lombo de burro até um dos acampamentos da Missão Cruls, entre Pirenópolis, cidade de Goiás, Luziânia e Formosa.

Muitas cartas

Entre junho e dezembro de 1892, o engenheiro escreveu cerca de 70 cartas para a esposa, além de telegramas, e esperava as respostas com muita ansiedade. O desejo de chegar à próxima cidade, onde houvesse uma agência postal, fazia o engenheiro antecipar partidas, na pressa de reencontrar cartas da esposa.

Hastimphilo escreveu, próximo à Lagoa Feia, em 27 de agosto de 1892: “Quanto mais affasto-me da minha Lilinda mais saudoso fico”. Fazia quatro meses que o apaixonado não via a mulher de sua vida. Anotou, no domingo 16 de outubro de 1892:  “Ultimamente muito tenho sofrido, porque quero ir para junto dela e não posso. É um verdadeiro dezespêro!”

Em 15 de dezembro de 1892, o engenheiro fez o registro: “Confesso que não sei bem qual a minha molestia, que me conserva até hoje abatido e em uso do quinino. Multiplas são as cousas em cujo número está o soffrimento moral, porque as saudades da minha Lilinda são grandes; não tenho recebido cartas, por causa da falta dos correios e via diante de mim uma longa demora (e sem necessidade) em Goyaz”

Os sete filhos de Hastimphilo já morreram. A advogada Maria Lúcia de Moura, 63 anos, neta do casal apaixonado, mora no Rio de Janeiro, guarda fotos dos avós e algumas lembranças. Quando o avô morreu, aos 92 anos, em 1957. Clarinda morreu dois anos depois, em 59.

Objeto de pesquisa

O amor de Hastimphilo e Clarinda despertou o interesse de pesquisadores da história de Brasília. Desde que folheou as seis cadernetas de anotações do engenheiro militar da Missão Cruls, o arquivologista Euler Frank Barros, diretor do Arquivo Permanente do Arquivo Público do Distrito Federal, se interessou pelo texto como quem lê um romance. Embalado pelas impressões pessoais do autor, começou a transcrição paleográfica das seis cadernetas.

O historiador Wilson Vieira Júnior, da Universidade de Brasília, também se encantou com a história de amor. Em A Fazenda Velha nos caminhos da Missão Cruls, Vieira Júnior e Deusdedith Rocha Júnior fazem o primeiro registro da presença de uma mulher na Missão Cruls e do amor de Hastimphilo por Lilinda.

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