segunda-feira, 29 de março de 2010

Fotógrafos aventureiros no Cerrado

Na época da construção de Brasília o governo não lembrou de documentar em foto e filme o gigantesco esforço que acontecia no Planalto Central para erguer a nova capital. Faltou estratégia de marqueting. O registro que se tem daquele tempo é resultado do esforço individual e do espírito aventureiro de alguns fotógrafos.

Entre aqueles visionários, que perceberem a importância de documentar o que acontecia no meio do Cerrado, estavam o alemão Peter Scheier (1908-1979), o francês Marcel Gautherot (1910-1996) e os brasileiros Mário Fontenelle (1919-1986)- mecânico de aviões que se tornou amigo de JK, João Gabriel Gondim de Lima (1925-1994) e Jesco von Puttkamer- filho de pais alemães (1919-1994). Na foto ao lado, Mário; abaixo, à esquerda, Peter, e à direita Marcel.




domingo, 21 de março de 2010

O curioso caso de Teresio Capra

A história do italiano Teresio Capra é tão peculiar quanto à vivida por Brad Bitt em “O curioso caso de Benjamin Button”. Tal como no filme, Capra vai se reinventando à medida que novos desafios surgem em sua vida. Aos 14 anos, Capra já fazia parte da Brigada de Paraquedistas das tropas de Mussolini, na Segunda Guerra Mundial.
Com 17 anos, começou a trabalhar como minerador em minas de carvão da Bélgica, onde contraiu uma silicose- doença profissional que afeta a elasticidade dos pulmões. Trabalhava no turno vespertino e escapou do acidente que matou 180 mineradores italianos do turno da manhã. Antes de completar 21 anos, Capra desembarcava no Rio de Janeiro, era 1950. Sem formação profissional adequada para os desafios urbanos brasileiros, o italiano tratou logo de se matricular no SENAI, onde fez cursos de carpintaria, pedreiro e mestre-de-obras.

Capra não esperou muito para conseguir emprego em uma construtora e casar com a mineira Maria Aparecida, com quem teve dois filhos, Tânia e Edison. O salário, de quatro mil Cruzeiros, era insuficiente. Então ele tomou uma decisão arrojada: com os músculos bem desenvolvidos graças ao trabalho na construção civil, Capra foi lutar box nos estúdios da TV Rio para complementar a renda. Foi pioneiro também nisso.

Ao atravessar um campo para pegar o ônibus da linha Jacarezinho/Copacabana, Capra sentiu uma forte dor de barriga e procurou um matinho para se acomodar. Pois foi nesta situação insólita que o destino deu uma mãozinha. O vento jogou na direção de Capra um jornal velho com um anúncio pedindo mestre-de-obras para trabalhar em Brasília. A expressão “paga-se bem” chamou sua atenção. Nesse dia, não foi trabalhar. Seguiu direto para o endereço publicado no jornal, na rua México, onde funcionava o escritório da construtora Ecisa. Foi atendido por um engenheiro inglês, Donald.

Capra: Proposta de risco

Para trabalhar em Brasília, Capra fez uma proposta de risco: um mês sem salário e depois o engenheiro avaliaria o resultado. Trinta dias depois, Donald analisou o andamento das obras da Quadra 103 Sul, sob responsabilidade de Capra. Gostou do que viu e perguntou de quanto seria o salário. Capra pediu 12 mil cruzeiros, Donald pagou 14 mil. Era o ano de 1957 e o italiano desembarcara na futura capital do País em um avião DC-10.

Ao mesmo tempo em que construía a cantina e o alojamento dos operários da Quadra 103 Sul, Capra ergueu a casa de madeira onde sua família iria morar. Disciplinado, sem preguiça para o trabalho, Capra ganharia muito dinheiro ao vencer o desafio proposto por sua empresa de ser a primeira construtora a alcançar a cumieira da obra. Ganhou duas vezes, acumulando 200 mil cruzeiros. Tudo guardado em casa.

Quando a Caixa Econômica Federal abriu sua primeira agência em Brasília, uma Kombi parou em frente à casa de Capra para fazer o depósito da fortuna. “Era muito dinheiro. Havia notas no colchão das camas, em latas, por tudo. Mas não tinha perigo. Naquela época não havia ladrão em Brasília”. Bons tempos, recorda Capra.

Capra: Empresário da noite



Com dinheiro no banco e um sócio disposto a buscar novos empreendimentos, Capra comprou de uma alemã a única boate que havia na Cidade Livre. Batizou de Olga’s Bar. Vinte e um dias depois a boate seria consumida por um grande incêndio que acabou com boa parte da Cidade Livre. Foi no governo de Jânio Quadros, época em que as obras em Brasília foram suspensas e muita gente faliu.

O desastre, no entanto, não desanimou Capra. Junto com um amigo, pegou o Sinca Chambord rumo ao Rio de Janeiro. Planejava buscar um trabalho alternativo por lá. Mas o período não era de sorte. O carro capotou em uma curva e foi vendido como ferro velho. Com esse dinheiro, Capra voltou a Brasília e começou uma nova obra. Recebeu uma serralheria como pagamento, era 1962, e assim deu início a um novo empreendimento.

O italiano também trabalhou com Athos Bulcão, fixando os famosos azulejos do artista. E conheceu o arquiteto Oscar Niemeyer, “que era muito exigente”. Capra conta até hoje, com um gostinho especial, o dia em que percebeu um erro no traçado do arquiteto: “era a entrada de uma garagem, estava tão baixa que um carro não poderia passar ali”. O arquiteto Lúcio Costa, lembra Capra, era tranqüilo. Chegava com as plantas e ia falar direto com os engenheiros. Também recorda as conversas informais com o presidente Juscelino Kubitschek. “JK andava pelas ruas e conversava com todo o mundo”. O último trabalho que Capra realizou em Brasília foi como decorador de interiores para dois empresários. Teresio Capra fará 82 anos no dia 17 de maio.

Saiba mais sobre Lúcio Costa


segunda-feira, 15 de março de 2010

A Catedral na prancheta de Carlos Magalhães

O arquiteto Milton Ramos mandou uma carta para o recém-formado Carlos Magalhães informando que estava contratando profissionais qualificados para trabalhar na construção de Brasília. Iniciava a formação da equipe do Departamento de Edificações e José Lafaiete Silvino do Prado era o responsável pelo setor de Recursos Humanos. No dia 18 de maio de 1959 Magalhães desembarcou na nova capital. Natural de Alagoas, o jovem arquiteto diplomou-se na Escola Nacional de Arquitetura, no Rio de Janeiro.


Segundo Magalhães, “Brasília estabeleceu meu caminho. Eu era um garoto da praia, um caiçara, e assimilei as lições de Oscar Niemeyer, Joaquim Cardozo- engenheiro de cálculo, e de Israel Pinheiro. Brasília não me deve nada. Sou eu quem devo a ela.”

O jovem arquiteto foi contratado pela Novacap e começou a trabalhar como supervisor de obras. Entre as obras que acompanhou constam o Hospital Distrital, o Cine Brasília e a Escola Classe da 308 Sul. Logo Carlos Magalhães se tornaria chefe da Terceira Divisão de Obras, setor responsável pela construção de diversos prédios, incluindo os de Saúde e Educação, e que também ficou responsável pela Catedral e pela Imprensa Nacional.

Sua mais importante missão foi acompanhar as obras da Catedral de Brasília, o que envolvia cálculos complexos, como os das 16 colunas delgadas que se afastam na base e se aproximam na subida ao céu. “A Catedral me deixou sem dormir. Às vezes pegava o jipe e ia lá à meia-noite conferir uma ferragem”, relembra.

Logo após o golpe militar de 1964, o arquiteto foi preso. Ficou dois dias na cadeia. Intercedeu a seu favor o o arcebispo de Brasília, D. Newton. “Acho que fui preso porque fazia parte do Conselho da Associação dos Servidores da Novacap”, especula Magalhães. Por obra do destino, 15 anos depois desse episódio, Magalhães foi contratado para ser o arquiteto responsável pela construção do QG do Exército, conhecido como “forte apache”.

Magalhães chegou em Brasília solteiro mas logo casou com Ana Maria, filha de Oscar Niemayer, com quem teve dois filhos. O filho Carlos Oscar trabalha como avô famoso no escritório do Rio de Janeiro. Magalhães está solteiro.

sábado, 13 de março de 2010

Ex-diretor da telefônica não usa celular


Ele nasceu em Macau, Rio Grande Norte, cidade pequena demais para um jovem cheio de ambições. Aos 18 anos de idade, Marcello Augusto Varella já morava no Rio de Janeiro, então capital do Brasil, e ansiava por algum empreendimento. Não demorou muito. Logo o irmão Ângelo, amigo de Israel Pinheiro- presidente da Novacap, lhe conseguiria um emprego, como escriturário, em Brasília, era 1957. Estava com 22 anos e havia cursado eletrotécnica no Rio.

Em pouco tempo, Marcello passou a trabalhar na empresa criada para instalar luz e telefone na nova capital. Escolheu a divisão de telefonia. Justo ele, que chegou a ser um dos diretores da empresa de telefonia de Brasília, não tem celular e nem sabe como funciona. Se tornou avesso à telefonia móvel.

Marcello conheceu o ex-presidente Juscelino Kubitschek em Brasília, enquanto supervisiona a instalação de linhas telefônicas. “JK me deu um tapinha nas costas e perguntou se o serviço ficaria pronto em tempo hábil. Ele era muito cordial e falava com todo o mundo”, recorda o ex-diretor.

Ele também é o pioneiro em Brasília no transporte coletivo. Junto com um primo, Marcello criou a Viação Planeta, que fazia a linha Cidade Livre/Rodoviária. Começou com dois ônibus e vendeu a empresa quando a frota já estava com onze veículos. Formado em Economia pela UnB, Marcello também foi professor na rede pública de ensino e no CEUB.

Diário do bebê

Três pastas em cima da mesa da sala, reservadas para nós- entrevistadoras do Cartas de Brasília, guardam o “diário do bebê”, de 1935, escrito por sua mãe, Conceição, onde ela escreve sobre Marcello e o esposo, o médico José Varella, ex-prefeito de Natal e ex-governador do Rio Grande do Norte.

Vários recortes de jornal, relatando a história da telefonia em Brasília, integram a coleção de memórias de Marcello.

No segundo casamento com a psicóloga mineira Maria do Rosário, conhecida como Pingo, Marcello tem onze filhos e igual número de netos. Aposentado, ocupa seu tempo com jogos na internet e gamão todas as segundas-feiras com um grupo de amigos no Martinica Café.

sábado, 6 de março de 2010

General do Exército fala sobre Brasília

O Exército estava instalado entre o Hotel Brasília Palace e o Palácio da Alvorada em 1975, início da construção da nova capital. Pouco depois, em 1961, o jovem Segundo Tenente Fernando Cardoso desembarcava em Brasília vindo de Juiz de Fora, Minas Gerais, para fazer parte do BGP- Batalhão da Guarda Presidencial. Hoje, aos 70 anos, o General Cardoso recorda os anos de pioneirismo em Brasília.

“Cheguei recém-casado com Lina e fomos morar nas primeiras quadras da Asa Norte. A solidariedade entre todos era muito grande”, relembra. Filhos de militares, o casal começou a namorar quando ele tinha 15 anos e ela 12. Foram inúmeras as cartas e bilhetes trocados ao longo de muitos anos até casarem.

Como todo o militar, o General Cardoso assumiu vários postos fora de Brasília e um no exterior, na China, em 1988, mas sempre retornava à Brasília, cidade que se tornou uma referência para o casal. O General esteve em Pequim para organizar o escritório das Forças Armadas do Brasil. Naquele ano viviam apenas 27 brasileiros na China. Em 2005, 1.522 estavam registrados no país asiático.

O General e a esposa Lina lembram que no início de Brasília havia dois segmentos sociais importantes na cidade: os funcionários do Banco do Brasil e as Forças Armadas.

Em 1964, ano de turbulências, o General Cardoso conta que houve o “levante de Brasília”, precedido da “revolução dos sargentos” e várias outras manifestações. Também recorda que a GEB- Guarda Especial de Brasília, entrou em greve e quem garantiu a segurança da cidade foi o Exército.


Lina conta que viajou de avião com o marido para Brasília para dar início a vida de casada: “estávamos casados há 20 dias e lembro que desembarquei com um vestido claro e sapatos brancos, cabelo com penteado da época- eu parecia a Dóris Day”.

Rapidamente a roupa ficou coberta de poeira e Lina aprendeu a usar peças mais adequadas aos desafios da nova capital. Loira e de olhos claros, realmente Lina lembra muito a atriz norte-americana Dois Day.

segunda-feira, 1 de março de 2010

A comunista Dalvinha ajusta a contabilidade de JK

Dalva Nascimento, a Dalvinha, também apelidada Pretinha, tem 91 anos de idade e é militante do Partido Comunista Brasileiro (PCB). Segundo a própria, é comunista desde os 15 anos quando descobriu a doutrina ao ler escondida livros que questionavam a propriedade da terra. Ativa, participa das reuniões do PCB no diretório localizado no edifício Venâncio V, no centro de Brasília.

Nascida em Prata, interior de Minas Gerais, mudou para Uberlândia, onde cursou o ensino médio em escola particular com bolsa paga pela Maçonaria. Boa aluna, também conseguiu ajuda para ingressar na faculdade de Contabilidade e se tornou uma “guarda-livros”, como gosta de ser chamada.

Dalvinha chegou em Brasília no dia 26 de julho de 1960. Mas bem antes disto já trabalhava com o presidente da República Juscelino Kubitschek. Funcionária da contabilidade da Metalúrgica Irmãos Crosara, gerenciada por Plínio Crosara, simpatizante do PSD- partido do presidente JK, Dalva foi organizar as contas do diretório local atendendo pedido de Antônio Thomas Rezende Filho, o Toninho, amigo de seu patrão.

Dalva trabalhou tanto e tão bem que recebeu os cumprimentos do próprio JK que a convidou para mudar para Brasília. Ela resistiu. Mas, em 1960, Toninho se tornara um grande empresário na nova capital e enviou uma carta pedindo a ajuda da contadora de confiança. Dalva veio, depois trouxe a irmã Filhinha e a filha adotiva Nazira. A carta de duas laudas, com 50 anos e amarelada pelo tempo, está guardada até hoje.

A contadora morou em quarto alugado, depois mudou para um apartamento e mais tarde comprou uma casa no Guará 1, onde vive até hoje com Filhinha, 93 anos, a filha, o neto Rafael e a cachorrinha Sissy. Apesar de ter sofrido um AVS em 2009, não perdeu o dinamismo e com o auxílio de uma bengala percorre as ruas do Guará, onde conhece todo mundo e ouve cumprimentos carinhosos por onde passa. A comunista continua guerreira, conseguiu enganar até o AVS.