sábado, 10 de outubro de 2009

Com a enfermeira Cacilda, a história da saúde pública na inauguração de Brasília


Faltando poucos meses para a capital do Brasil completar 50 anos, o blog Cartas de Brasília se antecipa ao aniversário do dia 21 de abril para homenagear os pioneiros ao contar a saga da enfermeira Cacilda Rosa Bertoni. Ela teve atitude para atender a população da cidade que aumentava da noite para o dia e equipar o Hospital Distrital, hoje Hospital de Base, para a inauguração em 1960 (na foto acima, o início de Brasília com a Cidade Livre, Acervo Público do DF).

O repentino urbanismo erguido em pleno Cerrado pelo presidente da República Juscelino Kubitschek, o JK, exigia respostas para todos os setores. E a Saúde era um deles. A data da inauguração de Brasília se aproximava, mas os equipamentos para instalar o Hospital Distrital ainda estavam dentro das caixas, no almoxarifado, em março. Depois de cinco anos de intenso trabalho para construir a nova capital do Brasil, o atendimento à saúde em um hospital moderno e central exigia respostas.

Até então, os pioneiros da nova capital resolviam seu problemas de saúde em hospitais de campanha erguidos nos acampamentos operários ou contavam com a ajuda de parteiras e enfermeiras. Cacilda Rosa Bertoni, enfermeira e administradora hospitalar, hoje com 90 anos, era uma dessas pessoas dispostas a ajudar (ao lado, a primeira ambulância, Acervo Público do DF).

Esforço de guerra

Ela chegou ao Distrito Federal em 1958, durante as obras de construção de Brasília, e foi morar na Cidade Livre, área que abrigava a maior parte dos pioneiros, hoje Núcleo Bandeirante. Cacilda tinha a experiência do “esforço de guerra”, adquirido na década de 1940, e rapidamente organizou uma força tarefa formada por uma costureira e sua filha, pegou uma máquina de costura, comprou peças de algodão, e começou a organizar os instrumentais, que precisam ser cobertos por tecido. Também conseguiu um jovem baianinho para fazer a limpeza. E ainda colocou para trabalhar na organização do hospital o recém chegado doutor Farani (José Farani, já falecido).

“O Farani só queria operar. Ele desejava inaugurar o hospital com uma cirurgia”, recorda Cacilda. Mas o primeiro paciente grave não foi para a cirurgia. Era um rapaz vítima de atropelamento. Teve fratura exposta. Mas o tratamento foi com uma técnica de imobilização e uso de água oxigenada no ferimento para evitar infecção. “Acabamos com a água oxigenada de Brasília e das redondezas”, recorda a enfermeira. A cirurgia, esperada por Farani, demorou um pouco mas acabou acontecendo. Foi um caso de apendicite. Com o ritmo das obras de Brasília cada vez mais rápido para cumprir o prazo previsto para a inauguração, era cada mais frenético o movimento de veículos nas ruas, principalmente de caminhões e jeeps. Os operários, a maioria vinda de cidades do interior, onde quase não havia veículos, eram surpreendidos pela urbanização, que trazia consigo os riscos da modernidade (acima, à direita, a enfermeira Cacilda em foto do Correio Web).

Algodão e linha

O hospital abriu as portas, improvisado, para atender uma população estimada em 15 mil habitantes. Sala cirúrgica, sala para curativos, sala de espera. Não tinha lavanderia, refeitório, quartos etc. As roupas de cama eram levadas até as freiras de Taguatinga, a 30 quilômetros de Brasília, para serem lavadas. “Como faltava muita coisa naquela época, inclusive tecidos, muitos lençóis sumiam para aparecer na casa de ex-pacientes”, recorda a enfermeira. Quando terminava a linha para os pontos nos pacientes do hospital, Cacilda ia nas lojas de armarinho comprar linha de algodão preta número 40.

Outro médico daquele tempo, e que trabalhou com Cacilda, foi o doutor Aloísio Campos da Paz, da Rede Sarah de Hospitais. “Ele fotografava todos os procedimentos, dava muito trabalho, porque tínhamos de entregar a ele o ‘campo – pano esterilizado, e logo ficávamos sem ‘campos’ para os outros procedimentos”, diz a pioneira.

A enfermeira Cacilda foi quem criou a Secção de Enfermagem do Distrito Federal e foi sua primeira presidente. Era o ano de 1962.



A saga de Cacilda

A enfermeira e administradora hospitalar, Cacilda Rosa Bertoni, 90 anos, chegou em Brasília em 1958. Melhor, chegou na Cidade Livre, Brasília não existia, era apenas um canteiro de obras. Morou até 1960 em uma casa de madeira na Segunda Avenida, número 1.105, onde hoje é o Colégio La Salle. Em sua carteira do trabalho, sob o registro número 078, está o seu contrato como funcionária da Fundação Hospitalar do Distrito Federal, assinada em 16 de maio de 1960 (acima, mais um registro da Cidade Livre, foto do Acervo Público do DF).

A história da enfermeira Cacilda é uma saga. Antes de Brasília, ela percorreu a Amazônia. Era a década de 1940. Órfão, o roteiro de Cacilda inicia em Piracicaba e segue para Ribeirão Preto (SP). De lá ela viaja para o Rio de Janeiro com o objetivo de estudar Enfermagem na Escola Ana Nery e ser missionária. Diplomada em 20 de maio de 1946, embarca para Belém (PA) no dia primeiro de junho, para trabalhar no Hospital de Doenças Tropicais Evandro Chagas.  Ficou dois anos e seguiu para Breves, na ilha de Marajó, onde os doentes precisavam muito mais dela dos que os enfermos da capital do estado. Na ilha permaneceu por mais dois anos no combate à malária e outros agravos à saúde.

“Era a época do esforço de guerra”, recorda Cacilda. Os Estados Unidos precisavam de borracha e para ter a matéria-prima os seringueiros necessitavam de atenção à saúde. E lá estava a enfermeira. De Breves, seguiu para Santarém, também no Pará, para organizar um novo hospital. Feito o serviço, aceitou uma bolsa para estudar Administração Hospitalar em Maryland, Baltimore (EUA).

No retorno ao Brasil casou com um representante da indústria farmacêutica, Afonso Bertoni, tiveram três filhos.  Foi do marido a ideia de mudar para Brasília. Ele veio na frente, no final de 1957.

5 comentários:

  1. Adorei o texto sobre a D. Cacilda. Ficou um gostinho de "quero mais". as histórias do inicio de Brasilia e as pessoas que fizeram a cidade vibram no coração de quem aqui viveu este período. Tatiana

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  2. É isso tudo e muito mais. Conheço a enfermeira Cacilda e é uma mulher de fibra, forte, corajosa, uma mulher a frente de seu tempo e sem medo de encarar desafios. Além disso, a fé em Deus é a bussola que dirige e sustenta seu caminho.
    Giselda

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  3. Sou amazonense e a historia de Cacilda Bertoni fez bater mais forte o meu coracao. Estou na Australia e quando for ao Brasil espero passar por Brasilia pra conhecer esse vulto historico, a enfermeira Cacilda. Ja admiro desde agora. Temos que valorizar mais o nosso povo, a nossa historia e cantar sempre o Hino Nacional Brasileiro! Adria

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  4. É uma história fantástica de uma mulher igualmente fantástica, que quem a conhece sabe que é muito maior do que foi resumido em poucos parágrafos.

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  5. Dona Cacilda é realmente uma mulher especial.
    Era muito amiga da minha família, principalmente da minha mãe, Paulina.
    Fico feliz de ser até hoje amiga da Dona Cacilda e trago na memória muitas histórias que vivi desde a minha tenra infância.
    Ela era uma conseheira para minha mãe quando algum filho ficava doente. Só não gosto muito de lembrar das injeções, rs.
    Um beijo, Dona Cacilda

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